segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Da Responsabilidade Penal de Pessoa Jurídica no Direito Brasileiro e Ambiental

A análise do instituto da responsabilidade penal de pessoa jurídica no Direito brasileiro e ambiental é tema atual, foco de bastantes controvérsias, e também a finalidade da atual pesquisa.

Correntes de pensamento antagônicas existem, inclusive desde a esfera internacional, a respeito da existência ou não do referido desígneo. Países como Inglaterra, Estados Unidos, mesmo que sem a totalidade de seus Estados, e França consideram a possibilidade de poder haver responsabilização criminal de pessoa jurídica. Já, países da Europa Continental e América Latina restringem a aplicação de penas a empresas .

No Brasil, não haveria de ser diferente: também existem linhas de pensamento divergentes em se tratando do tema ora em pauta. Foi com o advento da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, todavia, precisamente por seus artigos 173, § 5º e 225, § 3º, que ao tratar de crimes econômicos e ambientais, concretizou-se esta falta de unanimidade .

Controvérsias à parte, acreditam alguns que com a promulgação da Lei da Natureza número 9.605, em 1998, o Brasil reconheceu, na seara ambiental, a existência da possibilidade de responsabilizar pessoa jurídica ao declinar, in verbis, que: “Art. 3º. As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício de sua entidade.” Todavia, esta matéria ainda intriga a doutrina que trava empasses acerca do saber se esta responsabilidade de pessoa jurídica tem, sim ou não, realmente caráter “penal”.

Luis Flavio Gomes , muito precisamente, compila: “Na origem da questão temos duas teorias: (a) da ficção jurídica e (b) da realidade ou da personalidade real. A primeira foi sustentada por Savigny, que afirmava que a pessoa jurídica tem existência fictícia e, portanto, não pode delinqüir (societas delinquere non potest). Essa é, aliás, a tradição do Direito romano, que foi seguida nesse ponto pelo Iluminismo bem como pela Escola clássica (Feuerbach, Carrara etc.). Todos negavam a possibilidade de se processar criminalmente a pessoa jurídica, mesmo porque, se a pena tem efeito preventivo, aquela não é dotada de capacidade para entender a mensagem da norma. No Brasil pensam dessa forma: Pierangelli, René Dotti, Régis Prado, Silva Franco, Tourinho Filho, R. Delmanto, Mestieri, Toledo etc.”

Além do motivo trazido pela nota acima transcrita, qual seja, a (a) lesão ao Princípio da punibilidade, que perde de imputar com a pena uma de suas principais finalidades: seu caráter preventivo por não haver qualquer sentimento de arrependimento, aqueles que não admitem sua relação, o fazem ainda, sob outros diferentes argumentos ; b) Lesão ao Princípio da legalidade (nullum crimen, nulla poena sine lege): tendo em vista que os elementos do crime: tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade, são fenômenos exclusivamente humanos, seja segundo a teoria do modelo causal onde o comportamento humano deve ser voluntário; a do modelo final para o qual o acontecimento é dirigido pela vontade consciente do fim; ou para qualquer outro modelo (social= de relevância social; pessoal=manifestação da personalidade, etc.), então a pessoa jurídica é incapaz de ação, de dolo, de imprudência ou de omissão, e, por esses motivos, seus atos são tidos como situações de ausência de ação; c) Lesão ao Princípio da culpabilidade (nullum crimen sine culpa): ao saber que os requisitos de maioridade e de sanidade mental não se aplicam à vontade pragmática dessas pessoas jurídicas, e que a consciência do injusto só pode habitar o aparelho psíquico de pessoas físicas individualmente eis que a psique coletiva da vontade pragmática das reuniões, deliberações e votos é uma ficção incorpórea, configura-se a impossibilidade de atribuir culpa a entes jurídicos; e, d) Lesão ao Princípio da personalidade da pena: o artigo 5º, XLV, da Constituição Federal brasileira define que a pena não pode ultrapassar a pessoa do condenado. Assim, se sócios que não participaram da decisão, ou acionistas minoritários vencidos em assembléias gerais, forem igualmente atingidos pela pena aplicada à pessoa jurídica, estará havendo, para estes, inconstitucionalidade direta.

Para integralizar este reciocínio, Cezar Roberto Bittencourt discorre: "Os autores, dentre os quais destaca-se Malblanc, passaram a sustentar a impossibilidade de manter-se a teoria da responsabilidade penal da pessoa jurídica. Malblanc negava tanto a capacidade delitiva da pessoa jurídica como sua capacidade de entender a aplicação da pena."

No entanto, aqueles que seguem a tendência jurídica mundial moderna e crêem na possibilidade de imposição de penas aos entes coletivos, assim como Paulo Afonso Leme Machado , o fazem também sob a afirmação de que não se pode suprimir palavras de textos legais, uma vez que, se foram ali dispostas, trazem em si significado próprio e indispensável a boa aplicação da justiça, configurando a cima de tudo, grande evolução por superar o caráter pessoal da responsabilidade penal, de forma a alcançar também a pessoa jurídica como sujeito ativo do crime ecológico.

Walter Claudius Rothenburg afirma que as disposições constitucionais contidas nos arts. 173, § 5.º, e 225, § 3.º, e a edição da Lei 9.605/98, "dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente", e consagrou a sujeição criminal ativa das pessoas jurídicas em nível legislativo concluindo que é chegado o momento de se verificar a responsabilização penal dos entes coletivos na prática.

José Marcello de Araujo Junior leciona neste mesmo sentido acerca da capacidade de culpa da pessoa jurídica: "No agir de uma empresa que polui um rio ou obtém, ilicitamente, uma subvenção, reconhece-se, sem qualquer dificuldade, a existência de uma conduta que não está privada de um caráter ético ou moral. Desse atuar resulta uma responsabilidade que não é igual à chamada responsabilidade cumulativa, que nasce da soma das responsabilidades individuais, nem está fundada numa responsabilidade por fato de outrem. Trata-se de uma responsabilidade originária da empresa, de fundamento social, pois a empresa, do pondo de vista ético ou moral, possui uma responsabilidade por autuar dentro da sociedade da qual extrai o seu ganho e a sua existência."

Em outras palavras e neste contexto argumentativo, estes últimos acreditam que a justificativa de que a pessoa jurídica não pode agir, usada pela corrente de pensadores contrária a sua, é espancada pelo fato de que o ordenamento penal brasileiro prevê o concurso de agentes que é regido pelo princípio da comunicabilidade das circunstâncias, em que é estabelecida a solidariedade penal entre o agente pessoa física e a empresa em proveito da qual o crime foi praticado.

Ainda, é importante mencionar então a Teoria da dupla imputação, eis que, reza: “independentemente de ser ou não "penal" a natureza específica da responsabilidade da pessoa jurídica prevista na lei ambiental,(...), jamais pode a pessoa jurídica isoladamente aparecer no pólo passivo da ação penal (sempre será necessário descobrir quem dentro da empresa praticou o ato criminoso em seu nome e em seu benefício). Desse modo, devem ser processadas (obrigatoriamente) a pessoa que praticou o crime e a pessoa jurídica (quando esta tenha sido beneficiado com o ato).”

Vale anotar que o Supremo Tribunal Federa ainda não está unânime quanto a questão ora pautada, por vezes fez julgados reconhecendo e por outras não, à responsabilidade penal de pessoa jurídica em crimes ambientais.

À luz de todo o exposto, permite-se concluir que ainda que as intenções de combater crimes ambientais tenham sido, se é que o foram, as que motivaram o legislador a adotar o modelo francês às normas dos artigos 173, §5o e 225, §3o, da Constituição, não instituem, nem autorizam o legislador ordinário a instituir, a responsabilidade penal da pessoa jurídica em matéria ambiental, por tanto não se comunga da atual tendência brasileira e mundial, e, entende-se que a melhor interpretação possível do artigo 3º da Lei 9.605/1998 consiste em admitir que a responsabilidade da pessoa jurídica não é propriamente "penal", no sentido especifico da palavra inclusive porque não existe sequer a possibilidade de privação de liberdade em se tratando de empresa, ou seja, prevalece ainda a teoria da ficção jurídica.

A responsabilidade penal impessoal da pessoa jurídica infringe, portanto, os princípios constitucionais da legalidade e da culpabilidade, ao definirem o conceito de crime, bem como os da punibilidade e da personalidade da pena, que conceitualizam o instituto das penas, sem realmente auxiliar no combate a transgressões ambientais.




REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BITTENCOURT, Cezár Roberto. Manual de Direito Penal. Parte Geral, volume 1. 6. ed. rev. e atual. pelas leis 9.099/95, 9.268/96, 9.271/96, 9.455/97 e 9.714/98. São Paulo: Saraiva. 2000.
 
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antonio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Livia Céspedes. 32. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

BRASIL. IBAMA Disponível em: < http://www.ibama.gov.br/leiambiental/home.htm#cap5> Acesso em: 13 dez. 2009.

BRASIL. Lei 9.605 de 12 de fevereiro de 1998.Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências.
GOMES, Luiz Flávio. Responsabilidade "penal" da pessoa jurídica. Disponível em: http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20070924110620139> Acesso em: 13 dez. 2009.

JUNIOR. José Marcello de Araújo. Direito ambiental brasileiro. 4. Ed. São Paulo: Malheiros, 1992. 405.
MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 4. Ed. São Paulo: Malheiros, 1992.
 
MILARÉ, Edis. Processo Coletivo ambiental. In: Dano ambiental: Prevenção, Reparação e repressão. Coord. Antônio Herman V. Benjamin. São Paulo: Ed. RT, 1993.
 
SANTOS, Juarez Cirino dos. A responsabilidade penal da pessoa jurídica. A responsabilidade penal da pessoa jurídica é, talvez, o tema de política criminal e de direito penal mais controvertido da atualidade. Disponível em: <http://www.tj.ro.gov.br/emeron/sapem/2001/junho/0806/ARTIGOS/A08.htm.> Material da 2ª aula da disciplina Direito Ambiental e Urbanístico Penal, ministrada no Curso de Pós-graduação lato sensu televirtual em Direito Ambiental e Urbanístico – Anhanguera-UNIDERP
REDE LFG.
 
SOUZA, Elaine Castelo Branco. Responsabilidade Criminal da Pessoa Jurídica por ato lesivo ao meio ambiente. Disponível em: http://www.direitonet.com.br/textos/x/15/22/152/DN_Responsabilidade_criminal_da_pessoa_juridica_por_ato_lesivo_ao_meio_ambiente.doc.. Material da 2ª aula da disciplina Direito Ambiental e Urbanístico Penal, ministrada no Curso de Pós-graduação lato sensu televirtual em Direito Ambiental e Urbanístico – Anhanguera-UNIDERP REDE LFG.