quarta-feira, 15 de junho de 2011

O princípio da função sócioambiental da propriedade urbana e sua aplicabilidade na proteção ao meio ambiente

O presente estudo tem por objetivo caracterizar o princípio da função sócioambiental da propriedade urbana bem como sua aplicabilidade na proteção ao meio ambiente.

Para tanto, torna-se indispensável primeiramente demonstrar a origem evolutiva do tema ora em pauta. Assim, parte-se do pensamento apresentado por John Locke (2002, p. 40), filósofo jusnaturalista do século XVII, que ao tratar sobre o direito de propriedade estabelecia-o como um direito natural e individual diretamente ligado ao trabalho, inspirando neste sentido o Estado Liberal. De acordo com o autor, "a extensão de terra que um homem lavra, planta, melhora, cultiva e de cujos produtos desfruta, constitui a sua propriedade."

Ainda na mesma época, em 1789, na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão adotada pela França, a propriedade teve sua primeira conceitualização: conforme estabelecido em seu artigo 17, a propriedade era considerada um direito inviolável e sagrado.

Todavia, inspirada na Constituição alemã de Weimar, de 1919, a Constituição brasileira de 1934 inseriu na esfera constitucional a restrição do direito de propriedade pelo interesse social da coletividade, fazendo evoluir tal conceito e, neste mesmo sentido, as constituições que se seguiram consolidaram a função social da propriedade. Ou seja, o proprietário tem sim o poder de fazer uso de seus bens e riquezas conforme os seus interesses e necessidades, no entanto, deve, precipuamente, adequar suas atitudes e intenções aos interesses e necessidades da coletividade.

Inserida como direito e garantia fundamental, o caput do artigo 5º da Constituição Federal de 1988, guarda a propriedade como tal (XXII) e, logo no mesmo artigo em seu inciso XXIII, traz que esta deve atender sua função social assegurada a justa e prévia indenização na hipótese de desapropriação no caso de necessidade ou utilidade pública. Ainda o mesmo artigo 5º prevê como direito fundamental a propositura de ação popular visando anular ato lesivo ao meio ambiente e ao patrimônio histórico ou cultural, isto é, busca de diferentes formas garantir o alcance do respeito a estes entes patrimoniais humanos.

Já em seu artigo 170, incisos II, III e VI, a Constituição Federal brasileira trata, respectivamente, da propriedade privada, função social da propriedade e defesa do meio ambiente como partes integrantes dos princípios gerais da Ordem Econômica, assim, como bem ressalta José Afonso da Silva (2003, p. 788), a propriedade não pode ser considerada um direito puramente individual, pois obedece também aos princípios da Ordem Econômica que tem por objetivo assegurar a existência digna, "conforme os ditames da justiça social".

Neste mesmo sentido, leciona Fernanda de Salles Cavedon (2003):

A Propriedade Privada, absoluta e ilimitada, torna-se incompatível com a nova configuração dos direitos, que passam a tutelar Interesses Públicos, dentre os quais a preservação ambiental. Assim, o Direito de Propriedade adquire nova configuração, e passa a estar vinculado ao cumprimento de uma Função Social e Ambiental. É limitado no interesse da coletividade e a fim de adequar-se às novas demandas de ordem ambiental (p. 61).

Assim, para que se efetive a conciliação entre os princípios da ordem econômica estabelecidos constitucionalmente e os relativos aos direitos e garantias individuais referentes à propriedade, deve-se procurar harmonizar as vantagens individuais e privadas do proprietário e os benefícios sociais e ambientais, que são o proveito coletivo. Essa é a propriedade que goza da tutela constitucional.

No tocante ao Código Civil Brasileiro, aprovado pela Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, o direito de propriedade ganhou contornos em seus artigos 1.228 e seguintes, cujo conteúdo positivo se encontra no artigo 1.228 ao prever que esse direito possibilita o uso, gozo e disposição dos bens mostrando a necessidade de proteção ao meio ambiente, nos seguintes termos:

1º O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.

Neste contexto, ainda Fernanda de Salles Cavedon (2003) compila:

Espera-se, contudo, que com a vigência do novo Código Civil, os operadores jurídicos incorporem definitivamente esta configuração da Propriedade vinculada à Função Social e Ambiental, desapegando-se da postura conservadora que insiste em exaltar a Propriedade individualista, cujo aproveitamento é deixado ao sabor das vontades e interesses particulares do proprietário (p. 82).

Acredita-se que com o mesmo intuito apresentado pela doutrinadora supracitada, qual seja, o de garantir a proteção ambiental à cima de meros interesses individuais, vem, em se tratando da aplicabilidade deste instituto, a Constituição Federal brasileira em seu artigo 182, parágrafo 2º, através de ações previstas no Plano Diretor sob competência dos municípios, fixar o conteúdo da função social da propriedade urbana.

Luciane M. de Araújo Mascarenhas (2005) comenta:

O Plano Diretor torna-se, assim, um instrumento importante para a proteção ambiental. No contexto de meio ambiente urbano, em que imperam a carência habitacional, a falta de saneamento básico, a falta de planejamento urbano, problemas de desemprego e organização social, compete ao Município a responsabilidade de transformar esse cenário e de estabelecer a função social da propriedade urbana.

À luz de todo o exposto, aliado ao ponto de vista de Benedito Ferreira Marques (2001) quando afirma que a adequada utilização dos recursos naturais e a preservação do meio ambiente, exige o respeito à vocação natural da terra, com vistas à manutenção tanto do potencial produtivo do imóvel como das características próprias do meio natural e da qualidade dos recursos ambientais, para o equilíbrio ecológico da propriedade e, ainda, a saúde e qualidade de vida das comunidades vizinhas (p. 54; grifos do original), não deixa restar dúvidas que, a função social, sob seus diversos aspectos, além de contemplar os interesses do proprietário sobre a propriedade, deve levar em conta os interesses coletivos visando à promoção do bem comum, dando à propriedade melhor destinação do ponto de vista dos interesses sociais. "Isto significa que a função social da propriedade atua como fonte de imposição de comportamentos positivos – prestação de fazer, portanto, e não meramente, de não fazer – ao detentor do poder que deflui da propriedade", afirma Eros Grau (2003, p. 213; grifos do original).

Desta forma, e diante dos dispositivos legais referenciados à extensão da função social da propriedade, percebe-se que para o preenchimento dos seus requisitos devem-se harmonizar direito e obrigação, individual e social, poder e dever e, por último, a importância econômica e ambiental do bem, ou seja, fica evidente que a função social da propriedade, encontra-se, portanto, necessariamente atrelada à questão atinente à preservação ambiental ressalvada como sua principal característica.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Código Civil. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
BRASIL. Constituição da República (1988). 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
CAVEDON, Fernanda de Salles. Função social e ambiental da propriedade. Florianópolis: Visualbooks, 2003.
DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DO HOMEM E DO CIDADÃO. Disponível em: <http://educacao.uol.com.br/historia/ult1704u87.jhtm >. Acesso em: 7 fev. 2010.
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.
LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo. Tradução Alex Marins. São Paulo: Martin Claret, 2002.
MARQUES, Benedito Ferreira. Direito Agrário brasileiro. 4. ed. Goiânia: AB editora, 2001.
MACEDO, Clarissa Ferreira. Direito Ambiental Economico e a ISO 14000. Revista dos Tribunais, 2º edição.
MASCARENHAS. Luciane Martins de Araújo. A função sócio-ambiental da propriedade. Em 05.2005. Disponível em: < httpjus2.uol.com.brdoutrinatexto.aspid=7567.mht > Acesso em: 08 fev. 2010.
MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente, 6º Ed. Revista dos Tribunais.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.