quarta-feira, 15 de junho de 2011

O princípio da função sócioambiental da propriedade urbana e sua aplicabilidade na proteção ao meio ambiente

O presente estudo tem por objetivo caracterizar o princípio da função sócioambiental da propriedade urbana bem como sua aplicabilidade na proteção ao meio ambiente.

Para tanto, torna-se indispensável primeiramente demonstrar a origem evolutiva do tema ora em pauta. Assim, parte-se do pensamento apresentado por John Locke (2002, p. 40), filósofo jusnaturalista do século XVII, que ao tratar sobre o direito de propriedade estabelecia-o como um direito natural e individual diretamente ligado ao trabalho, inspirando neste sentido o Estado Liberal. De acordo com o autor, "a extensão de terra que um homem lavra, planta, melhora, cultiva e de cujos produtos desfruta, constitui a sua propriedade."

Ainda na mesma época, em 1789, na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão adotada pela França, a propriedade teve sua primeira conceitualização: conforme estabelecido em seu artigo 17, a propriedade era considerada um direito inviolável e sagrado.

Todavia, inspirada na Constituição alemã de Weimar, de 1919, a Constituição brasileira de 1934 inseriu na esfera constitucional a restrição do direito de propriedade pelo interesse social da coletividade, fazendo evoluir tal conceito e, neste mesmo sentido, as constituições que se seguiram consolidaram a função social da propriedade. Ou seja, o proprietário tem sim o poder de fazer uso de seus bens e riquezas conforme os seus interesses e necessidades, no entanto, deve, precipuamente, adequar suas atitudes e intenções aos interesses e necessidades da coletividade.

Inserida como direito e garantia fundamental, o caput do artigo 5º da Constituição Federal de 1988, guarda a propriedade como tal (XXII) e, logo no mesmo artigo em seu inciso XXIII, traz que esta deve atender sua função social assegurada a justa e prévia indenização na hipótese de desapropriação no caso de necessidade ou utilidade pública. Ainda o mesmo artigo 5º prevê como direito fundamental a propositura de ação popular visando anular ato lesivo ao meio ambiente e ao patrimônio histórico ou cultural, isto é, busca de diferentes formas garantir o alcance do respeito a estes entes patrimoniais humanos.

Já em seu artigo 170, incisos II, III e VI, a Constituição Federal brasileira trata, respectivamente, da propriedade privada, função social da propriedade e defesa do meio ambiente como partes integrantes dos princípios gerais da Ordem Econômica, assim, como bem ressalta José Afonso da Silva (2003, p. 788), a propriedade não pode ser considerada um direito puramente individual, pois obedece também aos princípios da Ordem Econômica que tem por objetivo assegurar a existência digna, "conforme os ditames da justiça social".

Neste mesmo sentido, leciona Fernanda de Salles Cavedon (2003):

A Propriedade Privada, absoluta e ilimitada, torna-se incompatível com a nova configuração dos direitos, que passam a tutelar Interesses Públicos, dentre os quais a preservação ambiental. Assim, o Direito de Propriedade adquire nova configuração, e passa a estar vinculado ao cumprimento de uma Função Social e Ambiental. É limitado no interesse da coletividade e a fim de adequar-se às novas demandas de ordem ambiental (p. 61).

Assim, para que se efetive a conciliação entre os princípios da ordem econômica estabelecidos constitucionalmente e os relativos aos direitos e garantias individuais referentes à propriedade, deve-se procurar harmonizar as vantagens individuais e privadas do proprietário e os benefícios sociais e ambientais, que são o proveito coletivo. Essa é a propriedade que goza da tutela constitucional.

No tocante ao Código Civil Brasileiro, aprovado pela Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, o direito de propriedade ganhou contornos em seus artigos 1.228 e seguintes, cujo conteúdo positivo se encontra no artigo 1.228 ao prever que esse direito possibilita o uso, gozo e disposição dos bens mostrando a necessidade de proteção ao meio ambiente, nos seguintes termos:

1º O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.

Neste contexto, ainda Fernanda de Salles Cavedon (2003) compila:

Espera-se, contudo, que com a vigência do novo Código Civil, os operadores jurídicos incorporem definitivamente esta configuração da Propriedade vinculada à Função Social e Ambiental, desapegando-se da postura conservadora que insiste em exaltar a Propriedade individualista, cujo aproveitamento é deixado ao sabor das vontades e interesses particulares do proprietário (p. 82).

Acredita-se que com o mesmo intuito apresentado pela doutrinadora supracitada, qual seja, o de garantir a proteção ambiental à cima de meros interesses individuais, vem, em se tratando da aplicabilidade deste instituto, a Constituição Federal brasileira em seu artigo 182, parágrafo 2º, através de ações previstas no Plano Diretor sob competência dos municípios, fixar o conteúdo da função social da propriedade urbana.

Luciane M. de Araújo Mascarenhas (2005) comenta:

O Plano Diretor torna-se, assim, um instrumento importante para a proteção ambiental. No contexto de meio ambiente urbano, em que imperam a carência habitacional, a falta de saneamento básico, a falta de planejamento urbano, problemas de desemprego e organização social, compete ao Município a responsabilidade de transformar esse cenário e de estabelecer a função social da propriedade urbana.

À luz de todo o exposto, aliado ao ponto de vista de Benedito Ferreira Marques (2001) quando afirma que a adequada utilização dos recursos naturais e a preservação do meio ambiente, exige o respeito à vocação natural da terra, com vistas à manutenção tanto do potencial produtivo do imóvel como das características próprias do meio natural e da qualidade dos recursos ambientais, para o equilíbrio ecológico da propriedade e, ainda, a saúde e qualidade de vida das comunidades vizinhas (p. 54; grifos do original), não deixa restar dúvidas que, a função social, sob seus diversos aspectos, além de contemplar os interesses do proprietário sobre a propriedade, deve levar em conta os interesses coletivos visando à promoção do bem comum, dando à propriedade melhor destinação do ponto de vista dos interesses sociais. "Isto significa que a função social da propriedade atua como fonte de imposição de comportamentos positivos – prestação de fazer, portanto, e não meramente, de não fazer – ao detentor do poder que deflui da propriedade", afirma Eros Grau (2003, p. 213; grifos do original).

Desta forma, e diante dos dispositivos legais referenciados à extensão da função social da propriedade, percebe-se que para o preenchimento dos seus requisitos devem-se harmonizar direito e obrigação, individual e social, poder e dever e, por último, a importância econômica e ambiental do bem, ou seja, fica evidente que a função social da propriedade, encontra-se, portanto, necessariamente atrelada à questão atinente à preservação ambiental ressalvada como sua principal característica.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Código Civil. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
BRASIL. Constituição da República (1988). 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
CAVEDON, Fernanda de Salles. Função social e ambiental da propriedade. Florianópolis: Visualbooks, 2003.
DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DO HOMEM E DO CIDADÃO. Disponível em: <http://educacao.uol.com.br/historia/ult1704u87.jhtm >. Acesso em: 7 fev. 2010.
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.
LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo. Tradução Alex Marins. São Paulo: Martin Claret, 2002.
MARQUES, Benedito Ferreira. Direito Agrário brasileiro. 4. ed. Goiânia: AB editora, 2001.
MACEDO, Clarissa Ferreira. Direito Ambiental Economico e a ISO 14000. Revista dos Tribunais, 2º edição.
MASCARENHAS. Luciane Martins de Araújo. A função sócio-ambiental da propriedade. Em 05.2005. Disponível em: < httpjus2.uol.com.brdoutrinatexto.aspid=7567.mht > Acesso em: 08 fev. 2010.
MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente, 6º Ed. Revista dos Tribunais.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.

quarta-feira, 23 de março de 2011

Cinco vantagens próprias às atitudes empresariais socioambientais inovadoras

1ª Evidência:

Com o inegável aumento da preocupação na seara do meio ambiente, os consumidores passaram a exigir padrões mais altos de qualidade sócioambiental dos produtos que compram e, conseqüentemente, iniciou-se um processo seletivo por parte dos mesmos com relação às empresas que oferecem tais vantagens, ou não.

Ao que tudo indica, tal consciência só tende a ser crescente e então, natural e igualmente crescerá o referido processo de seleção, fatores estes que pressionam a industria a ter uma produção cada vez mais limpa.

Justificativa

Como a imagem ruim vinculada às empresas desprovidas de cuidados sócio-ambientais já é fatídica, imensa e só parece aumentar, pode-se afirmar que sem dúvidas comprometerá a longevidade destas pois a presença da consciência quando em níveis como os atuais acarreta mudanças, ou seja, as empresas que não atenderem as exigências inclusive ambientais dos consumidores comprometerão suas chances de sobrevivência, podendo ser pelos mesmos excluídas do mercado.

2ª Evidência:

Para que se tornem empresas social e ecologicamente aprovadas aos olhos da sociedade civil e entidades públicas, “investimentos em tecnologias limpas, sistemas de gestão ambiental que envolvam economia de recursos, reciclagem, reaproveitamento de resíduos, tratamento da água utilizada no processo produtivo para reutilização, substituição de matérias-primas, uso de energias alternativas, dentre outras mudanças no processo de produção” (1) além de políticas estruturais especificas de combate a fome, do apoio a projetos com escolas e instituições públicas bem como o incentivo a estratégias de inclusão social, devem constituir a pauta das políticas empresariais engajadas na preservação da natureza e na sua sustentabilidade.

Justificativa

Ao contrário do que pensava até muito recentemente a grande maioria dos empresários donos do poder, a adoção dessa nova política de privilegiar sistemas produtivos que diminuem impactos causados pelas atividades produtivas não é algo apenas social e ambientalmente responsável que gera mais gastos e empecilhos, e é sim uma inovadora forma de angariar ainda mais lucros, uma vez que, na medida em que a empresa consegue encontrar maneiras de controlar custos e ganhos financeiros aumenta sua competitividade e garante assim a capacidade de sobrevivência e sucesso econômico da companhia nos padrões atuais e futuros.

De forma ilustrativa, traz-se o exemplo apresentado pela Revista Exame em matéria sobre multinacional do ramo de bebidas que ao assumir práticas como a substituição do uso de combustíveis não-renováveis, do uso do óleo e de gás natural por biomassa e biogás, evitou a emissão de quase 100 mil toneladas de gás carbônico por ano, o que representou uma significativa economia de R$ 5,7 milhões para a mesma.

“Atitudes de medidas racionais para proteger e conservar o meio ambiente tornam-se rapidamente condições sine qua non para bons negócios e para a própria sobrevivência da empresa no mercado” (DONAIRE, 1999, p. 34).

3ª Evidência:

Com a redução do consumo de água, energia, geração de resíduos e práticas como o reaproveitamento destes, conseqüentemente, poderá crescer a produção destas empresas ecoeficientes, uma vez que, mesmo em longo prazo, elas têm com isso mais capital para ampliar suas bases de produção gerando novos empregos e reflexos sociais positivos. A redução de custos que antes parecia impraticável, hoje garante a liderança da empresa no mercado bem como sua perpetuação.

Justificativa

A partir do exposto, pode-se perceber que uma empresa ecoeficiente consegue gerar resultados quando garante a redução do impacto ambiental possível em todas as etapas de seu processo, interferindo cada vez menos na natureza e melhorando seu resultado.

A mesma multinacional do ramo de bebidas citada pela Revista Exame assumiu também práticas como o reaproveitamento de 96% dos resíduos sólidos provenientes do processo de produção o que fez a companhia obter uma receita de R$ 51 milhões com a venda de subprodutos a serem transformados em matéria-prima para outras indústrias, ao invés de serem encaminhados a aterros sanitários.

Evidencia-se assim que a otimização do uso dos recursos na produção é sem dúvida a melhor alternativa ambiental para a preservação da sustentabilidade da biodiversidade além de representar, financeiramente, ganhos econômicos significativos para as empresas preocupadas com o uso racional da água e energia e com as mudanças climáticas.

4ª Evidência:

Segundo a WBCSD - World Bussines Council for Sustainable Development (1996), a ecoeficiência é alcançada mediante o fornecimento de bens e serviços a preços competitivos que satisfaçam as necessidades humanas e que tragam qualidade de vida, ao mesmo tempo em que ocorre a busca da redução progressiva do impacto ambiental e do consumo de recursos ao longo do ciclo de vida até um nível, no mínimo, equivalente à capacidade de sustentação estimada da Terra.

Neste contexto, a WBCSD aponta como um dos fatores capazes de garantir o sucesso e permanência de empresas social e ambientalmente responsáveis, a ênfase dada pelas mesmas à qualidade de vida da humanidade, ou seja, acredita que o sucesso das companhias no futuro estará cada vez mais focado nos produtos e serviços que atendam a necessidades reais dos clientes-consumidores finais, e não àquelas criadas, onde aquisições são feitas para satisfazer meros caprichos frutos da política capitalista imperante no mundo atual alicerçada no consumo desenfreado e não sustentável.

Justificativa

A produção ecoeficiente é uma tendência de mercado arrojada e ambiciosa, é também uma fonte de inovação ambiental e uma significante ferramenta de competitividade devido à redução de custos, o crescimento dos lucros, maior produtividade e melhoria da qualidade da empresa.

Diz-se ainda que é essa percepção, quanto a ecoeficiência, que levou também a mudanças comportamentais da sociedade em busca de condições de vida mais saudáveis, principalmente no que tange a conservação do meio ambiente fazendo-os pensar então em consumir menos produtos dispensáveis, gerar menos lixo e consumir menos manufaturados a partir de fontes esgotáveis e ecologicamente incorretas.

Observa-se que práticas como a contratação de pessoas com necessidades especiais, colaboração a entidades sociais, atuação em projetos comunitários bem como promoção e estimulação de ações ambientais de conservação, reciclagem e descarte seguro são atitudes sócioambientalmente corretas que têm grande peso quando o cerne da questão é, justamente, qualidade de vida.

À luz do exposto, fica fácil vislumbrar que apenas empresas voltadas a políticas sócio-ambientais terão sua continuidade garantida.

5ª Evidência:

Com a adoção das referidas práticas sócio-ambientais é sabido que a organização pode alcançar vantagens competitivas matematicamente mensuráveis, como aumento de lucro, redução de custos, reutilização de insumos, aumento do número de clientes, economia de recursos, além de ser uma forma de inovar produtos, serviços e procedimentos da organização, evitando gastos desnecessários e melhorando progressivamente sua imagem aos olhos de toda a sociedade.

Em virtude do exercício destes inúmeros fatores positivos recém mencionados, entre outros, a empresa que os adota, ou seja, a chamada eco-capaz terá imensamente maiores possibilidades de realizar boas parcerias, fazer excelentes negócios com outras companhias também sócioambientalmente responsáveis ou ainda receberem novos capitais a partir de outros investidores, uma vez que, encontram respaldo em índices de sustentabilidade como por exemplo o Dow Jones Sustainability Index criado em 1999 exatamente para consagrar tais empresas e suas práticas sustentáveis em face ao mundo globalizado.

Justificativa

Assim, nessa perspectiva de competitividade empresarial e instabilidade econômica, “a gestão ambiental e a responsabilidade social, enfim, tornam-se importantes instrumentos gerenciais para capacitação e criação de condições de competitividade para as organizações, qualquer que seja seu segmento econômico.” (TACHIZAWA, 2002, p. 24) o que só faz aumentar suas chances de se manterem no mercado.





REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


ANDRADE, Rui Otávio Bernardes de, TAKESHY, Tachizawa, CARVALHO, Ana Barreiro de. Gestão Ambiental: Enfoque Estratégico Aplicado ao Desenvolvimento Econômico. 2. ed. São Paulo, Pearson Education do Brasil, 2002.

COSTA, Filipe. Responsabilidade Sócio-ambiental das Empresas. Instituto Jurídico de Inteligência e Sistemas – IJURIS/ECOTEC. Disponível em: http://www.i3g.org.br/nucleos/ecotec/apresentacoes/responsabilidade_socio_ambiental_das_empresas.pdf Acesso em: 10 de novembro de 2009.

DONAIRE, Denis. Gestão ambiental na empresa. 2. ed. São Paulo : Atlas, 1999.

TACHIZAWA, Takeshy. Gestão Ambiental e responsabilidade social corporativa: estratégias de negócios focadas na realidade brasileira. São Paulo, Atlas, 2002.

RUSSO, Michael V. & FOUTS, Paul A. A resource-based perspective on corporate environmental performance and profitability. Academy of Management Journal, v. 40, n. 3, p. 534-559, 1997.

WBCSD – World Bussines Council for Sustainable Development. Disponível em: <www.wbcsd.org>. Acesso em: 09 de novembro de 2009.

__________Dow Jones Sustainability Indexes. Disponível em: < http://www.sam-group.com/htmle/djsi/indexes.cfm > . Acesso em: 13 de novembro de 2009.
__________ ALVES,Jordania Louse Silva, LYRA, Ana Valéria ToscanoBarreto, SICSU, Abraham Benzaquen, MEDEIROS, Denise Dumke de Medeiros. A Viabilidade da Ecoeficiência Como Fonte de Inovação e Ganho Competitivo nas Micro e Pequenas Empresas. V Congresso Nacional de Excelência em Gestão. 07/ 2009. Disponível em: <http://www.vcneg.org/documentos/anais_cneg5/T8_0143_0641.pdf > Acesso em: 13 de novembro de 2009. indexes.com/07_htmle/reviews/review2009.html> Acesso em: 13 de novembro de 2009.

___________ Instituto Observatório Social. Disponível em: <http://www.observatoriosocial.org.br/portal/index.php?option=content&task=view&id=1439&Itemid=89>. Acesso em: 14 de novembro de 2009. (1)

__________ DJSI Review 2009 - Results. Disponível em: <http://www.sustainability-indexes.com/07_htmle/reviews/review2009.html> Acesso em: 13 de novembro de 2009.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

O Poder Público em seus deveres para com o Meio Ambiente na Constituição Federal de 1988

De forma clara e coerente, quer-se relacionar e discorrer sobre os deveres de proteção ambiental do Estado consignados em nível constitucional, utilizando para tanto, inclusive, diferentes fundamentações teóricas.

Neste sentido, de maneira a considerar como Estado o todo federativo e sem pormenorizar as funções de cada um de seus entes, desde já se faz necessário trazer à pauta o que reza o artigo 23, seus incisos e parágrafo único, da própria Constituição Federal da República Brasileira de 1988, que no tocante ao tema em questão assim o faz:

“Artigo 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

I – (...);

II – cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;

III – proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos;

IV – impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico ou cultural;

V - (...);

VI – proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas;

VII – preservar as florestas, a fauna e a flora;

VIII - (...);

IX – promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico;

X - (...);

XI – registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais em seus territórios.

XII – (...).

Parágrafo único: Leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional.”

Assim, de acordo com o conteúdo do artigo acima transcrito, entre a leitura de outros tantos da Constituição Federal , é possível observar a relação direta existente entre o social, matéria explicitamente auferida, à exemplo, nos incisos II e IX do mesmo, e o meio ambiente, de maneira a compreender mais de uma de suas formas segundo a classificação adotada pela doutrina majoritária contemporânea : meio ambiente artístico/cultual: incisos III e IV, e, meio ambiente natural e artificial: incisos VI, VII e XI.

Édis Miralé muito brilhantemente explica o porquê da relação existente referida no parágrafo anterior do presente estudo, ao ensinar que “De fato, o capítulo do Meio Ambiente está inserido na Ordem Social. Ora, o social constitui a grande meta de toda ação do Poder Público e da sociedade. A Ordem Econômica, que tem suas características e valores específicos, subordina-se à ordem social. Com efeito, o crescimento ou desenvolvimento socioeconômico deve portar-se como um instrumento, um meio eficaz para subsidiar o objetivo social maior. Neste caso, as atividades econômicas não poderão, de forma alguma, gerar problemas que afetem a qualidade ambiental e impeçam o pleno atingimento dos escopos sociais.“. ou seja, o caráter multidisciplinar da questão ambiental é intrínseco a si e sua tamanha importância é tanta que a Assembléia Constituinte brasileira, já em 1988, atribuía competência comum a todos os entes federados quando em se tratando de fazer por estes, tocando inclusive à sociedade, comunidade , sua responsabilidade em colaborar no mesmo sentido.

No entanto, é com mais especialidade que a Seção III, Do Desporto, Capitulo VI, Do Meio Ambiente, artigo 225 da própria Constituição da República vigente trata do tema ora sob discussão quando garante que:

“Artigo 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

I – preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;

II – preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;

III – definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através da lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;

IV – exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;

V – controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;

VI – promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;

VII – proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as praticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.

§ 2º Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.

§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.”

Em outras palavras, é correto afirmar que o Poder Público, no tocante ao seu dever de tutelar o meio-ambiente preservando-o e defendendo-o, o faz de forma sistematizada, fragmentada e especificamente, em suma e de acordo com os ensinamentos do Ilustre Édis Milaré, da seguinte maneira: Através da:

a) Preservação e restauração dos processos ecológicos essenciais, que consiste em garantir, por intermédio de atividades conjugadas de todas as modalidades e esferas do Poder Público, o que está em bom estado original e de recuperar o que foi degradado. Entende-se por processos ecológicos essenciais aqueles que garantem o funcionamento dos ecossistemas e contribuem para a salubridade e higidez do meio ambiente, em termos práticos traduzem-se, por exemplo, na fixação, transformação, transporte e utilização de energia e na biodegradação de rejeitos;

b) Promoção do manejo ecológico das espécies e ecossistemas, que nada mais é do que “cuidar do equilíbrio das relações entre a comunidade biótica e o seu hábitat” ;

c) Preservação da biodiversidade e controle das entidades de pesquisa e manipulação de material genético, isto é, partindo-se do conceito de que biodiversidade é a variedade de seres que compõem a vida na Terra compreendendo a grande variabilidade de organismos existentes, objetiva-se reconhecer, inventariar e manter o leque dessas diferenças de organismos vivos;

d) Definição de espaços territoriais especialmente protegidos, que quando consideradas no sentido lato da expressão, envolvem as Áreas de Preservação Permanente e as Reservas Florestais Legais, as Áreas de Proteção Especial que tenham fundamentos e finalidades distintas das Unidades de Conservação, e as próprias Unidades de Conservação, sejam típicas ou atípicas, fazendo-o também através de normatizações específicas;

e) Realização de Estudo Prévio de Impacto Ambiental: estudo este que é tido como parte integrante do AIA (Avaliação de Impacto Ambiental) e portanto considerado instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente que, através da Resolução CONAMA 001/86, tem estabelecida suas definições, responsabilidades e diretrizes gerais para seu uso e implementação;

f) Controle da produção, comercialização e utilização de técnicas, métodos e substâncias nocivas à vida, à qualidade de vida e ao meio ambiente afim de que se impeçam ações prejudiciais aos mesmos, fazendo-o através de interferências do Poder Público nas atividades econômicas de domínio privado;

g) Educação ambiental, consagrada pelo advento, ainda que um pouco tardio, da Política Nacional de Educação Ambiental, definida na Lei 9.795, de 27.04.1999, e regulamentada pelo Dec. 4.281, de 25.06.2002, dando sequência e eficácia aos arts. 205 e 225, § 1°, VI, da nossa Carta Magna, a educação ambiental propriamente dita está comprometida com possibilidade de salvar o planeta que só existe quando considerada individualmente, em cada cidadão, investido da vontade de reverter o processo de gradual e reiterada destruição da Terra; e,

h) Proteção à fauna e à flora.

À luz de todo o exposto, permite-se concluir que o pseudônimo auferido a Carta Magna vigente, qual seja, “verde”, é digno de respeito e considerações uma vez que toca, inova, amplifica e tutela particularmente cada instituto natural de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações, ou seja, a Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988 torna o meio ambiente ecologicamente equilibrado direito difuso, coletivo, indisponível e de competência comum dos Estados, Municípios, Distrito Federal e União positivando assim, possivelmente, a única possibilidade de conservar a vida na Terra.




REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.Org. Cláudio Brandão de Oliveira. 5 ed. Rio de Janeiro: Roma Victor, 2005.
José Afonso da Silva. Direito ambiental constitucional, cit., p. 53

MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. A gestão Ambiental em foco. Doutrina.Jurisprudência. Glossário. 5. ed. ref, atual. E ampl., São Paulo: Editora RT, 2007, Título II – A base constitucional da Proteção do Ambiente; item 4. A Constituição de 1988, pág 147 a 177. Material da 1ª aula da Disciplina Direito Ambiental Constitucional, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu TeleVirtual em Direito Ambiental e Urbanistico – Anhanguera-UNIDERP REDE LFG.

TENÓRIO, Dóris. Classificação do Meio Ambiente – Gestão Ambiental (Justiça Federal em Santa Catarina). Em 09 de dezembro de 2008.