quarta-feira, 15 de junho de 2011

O princípio da função sócioambiental da propriedade urbana e sua aplicabilidade na proteção ao meio ambiente

O presente estudo tem por objetivo caracterizar o princípio da função sócioambiental da propriedade urbana bem como sua aplicabilidade na proteção ao meio ambiente.

Para tanto, torna-se indispensável primeiramente demonstrar a origem evolutiva do tema ora em pauta. Assim, parte-se do pensamento apresentado por John Locke (2002, p. 40), filósofo jusnaturalista do século XVII, que ao tratar sobre o direito de propriedade estabelecia-o como um direito natural e individual diretamente ligado ao trabalho, inspirando neste sentido o Estado Liberal. De acordo com o autor, "a extensão de terra que um homem lavra, planta, melhora, cultiva e de cujos produtos desfruta, constitui a sua propriedade."

Ainda na mesma época, em 1789, na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão adotada pela França, a propriedade teve sua primeira conceitualização: conforme estabelecido em seu artigo 17, a propriedade era considerada um direito inviolável e sagrado.

Todavia, inspirada na Constituição alemã de Weimar, de 1919, a Constituição brasileira de 1934 inseriu na esfera constitucional a restrição do direito de propriedade pelo interesse social da coletividade, fazendo evoluir tal conceito e, neste mesmo sentido, as constituições que se seguiram consolidaram a função social da propriedade. Ou seja, o proprietário tem sim o poder de fazer uso de seus bens e riquezas conforme os seus interesses e necessidades, no entanto, deve, precipuamente, adequar suas atitudes e intenções aos interesses e necessidades da coletividade.

Inserida como direito e garantia fundamental, o caput do artigo 5º da Constituição Federal de 1988, guarda a propriedade como tal (XXII) e, logo no mesmo artigo em seu inciso XXIII, traz que esta deve atender sua função social assegurada a justa e prévia indenização na hipótese de desapropriação no caso de necessidade ou utilidade pública. Ainda o mesmo artigo 5º prevê como direito fundamental a propositura de ação popular visando anular ato lesivo ao meio ambiente e ao patrimônio histórico ou cultural, isto é, busca de diferentes formas garantir o alcance do respeito a estes entes patrimoniais humanos.

Já em seu artigo 170, incisos II, III e VI, a Constituição Federal brasileira trata, respectivamente, da propriedade privada, função social da propriedade e defesa do meio ambiente como partes integrantes dos princípios gerais da Ordem Econômica, assim, como bem ressalta José Afonso da Silva (2003, p. 788), a propriedade não pode ser considerada um direito puramente individual, pois obedece também aos princípios da Ordem Econômica que tem por objetivo assegurar a existência digna, "conforme os ditames da justiça social".

Neste mesmo sentido, leciona Fernanda de Salles Cavedon (2003):

A Propriedade Privada, absoluta e ilimitada, torna-se incompatível com a nova configuração dos direitos, que passam a tutelar Interesses Públicos, dentre os quais a preservação ambiental. Assim, o Direito de Propriedade adquire nova configuração, e passa a estar vinculado ao cumprimento de uma Função Social e Ambiental. É limitado no interesse da coletividade e a fim de adequar-se às novas demandas de ordem ambiental (p. 61).

Assim, para que se efetive a conciliação entre os princípios da ordem econômica estabelecidos constitucionalmente e os relativos aos direitos e garantias individuais referentes à propriedade, deve-se procurar harmonizar as vantagens individuais e privadas do proprietário e os benefícios sociais e ambientais, que são o proveito coletivo. Essa é a propriedade que goza da tutela constitucional.

No tocante ao Código Civil Brasileiro, aprovado pela Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, o direito de propriedade ganhou contornos em seus artigos 1.228 e seguintes, cujo conteúdo positivo se encontra no artigo 1.228 ao prever que esse direito possibilita o uso, gozo e disposição dos bens mostrando a necessidade de proteção ao meio ambiente, nos seguintes termos:

1º O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.

Neste contexto, ainda Fernanda de Salles Cavedon (2003) compila:

Espera-se, contudo, que com a vigência do novo Código Civil, os operadores jurídicos incorporem definitivamente esta configuração da Propriedade vinculada à Função Social e Ambiental, desapegando-se da postura conservadora que insiste em exaltar a Propriedade individualista, cujo aproveitamento é deixado ao sabor das vontades e interesses particulares do proprietário (p. 82).

Acredita-se que com o mesmo intuito apresentado pela doutrinadora supracitada, qual seja, o de garantir a proteção ambiental à cima de meros interesses individuais, vem, em se tratando da aplicabilidade deste instituto, a Constituição Federal brasileira em seu artigo 182, parágrafo 2º, através de ações previstas no Plano Diretor sob competência dos municípios, fixar o conteúdo da função social da propriedade urbana.

Luciane M. de Araújo Mascarenhas (2005) comenta:

O Plano Diretor torna-se, assim, um instrumento importante para a proteção ambiental. No contexto de meio ambiente urbano, em que imperam a carência habitacional, a falta de saneamento básico, a falta de planejamento urbano, problemas de desemprego e organização social, compete ao Município a responsabilidade de transformar esse cenário e de estabelecer a função social da propriedade urbana.

À luz de todo o exposto, aliado ao ponto de vista de Benedito Ferreira Marques (2001) quando afirma que a adequada utilização dos recursos naturais e a preservação do meio ambiente, exige o respeito à vocação natural da terra, com vistas à manutenção tanto do potencial produtivo do imóvel como das características próprias do meio natural e da qualidade dos recursos ambientais, para o equilíbrio ecológico da propriedade e, ainda, a saúde e qualidade de vida das comunidades vizinhas (p. 54; grifos do original), não deixa restar dúvidas que, a função social, sob seus diversos aspectos, além de contemplar os interesses do proprietário sobre a propriedade, deve levar em conta os interesses coletivos visando à promoção do bem comum, dando à propriedade melhor destinação do ponto de vista dos interesses sociais. "Isto significa que a função social da propriedade atua como fonte de imposição de comportamentos positivos – prestação de fazer, portanto, e não meramente, de não fazer – ao detentor do poder que deflui da propriedade", afirma Eros Grau (2003, p. 213; grifos do original).

Desta forma, e diante dos dispositivos legais referenciados à extensão da função social da propriedade, percebe-se que para o preenchimento dos seus requisitos devem-se harmonizar direito e obrigação, individual e social, poder e dever e, por último, a importância econômica e ambiental do bem, ou seja, fica evidente que a função social da propriedade, encontra-se, portanto, necessariamente atrelada à questão atinente à preservação ambiental ressalvada como sua principal característica.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Código Civil. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
BRASIL. Constituição da República (1988). 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
CAVEDON, Fernanda de Salles. Função social e ambiental da propriedade. Florianópolis: Visualbooks, 2003.
DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DO HOMEM E DO CIDADÃO. Disponível em: <http://educacao.uol.com.br/historia/ult1704u87.jhtm >. Acesso em: 7 fev. 2010.
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.
LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo. Tradução Alex Marins. São Paulo: Martin Claret, 2002.
MARQUES, Benedito Ferreira. Direito Agrário brasileiro. 4. ed. Goiânia: AB editora, 2001.
MACEDO, Clarissa Ferreira. Direito Ambiental Economico e a ISO 14000. Revista dos Tribunais, 2º edição.
MASCARENHAS. Luciane Martins de Araújo. A função sócio-ambiental da propriedade. Em 05.2005. Disponível em: < httpjus2.uol.com.brdoutrinatexto.aspid=7567.mht > Acesso em: 08 fev. 2010.
MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente, 6º Ed. Revista dos Tribunais.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.

quarta-feira, 23 de março de 2011

Cinco vantagens próprias às atitudes empresariais socioambientais inovadoras

1ª Evidência:

Com o inegável aumento da preocupação na seara do meio ambiente, os consumidores passaram a exigir padrões mais altos de qualidade sócioambiental dos produtos que compram e, conseqüentemente, iniciou-se um processo seletivo por parte dos mesmos com relação às empresas que oferecem tais vantagens, ou não.

Ao que tudo indica, tal consciência só tende a ser crescente e então, natural e igualmente crescerá o referido processo de seleção, fatores estes que pressionam a industria a ter uma produção cada vez mais limpa.

Justificativa

Como a imagem ruim vinculada às empresas desprovidas de cuidados sócio-ambientais já é fatídica, imensa e só parece aumentar, pode-se afirmar que sem dúvidas comprometerá a longevidade destas pois a presença da consciência quando em níveis como os atuais acarreta mudanças, ou seja, as empresas que não atenderem as exigências inclusive ambientais dos consumidores comprometerão suas chances de sobrevivência, podendo ser pelos mesmos excluídas do mercado.

2ª Evidência:

Para que se tornem empresas social e ecologicamente aprovadas aos olhos da sociedade civil e entidades públicas, “investimentos em tecnologias limpas, sistemas de gestão ambiental que envolvam economia de recursos, reciclagem, reaproveitamento de resíduos, tratamento da água utilizada no processo produtivo para reutilização, substituição de matérias-primas, uso de energias alternativas, dentre outras mudanças no processo de produção” (1) além de políticas estruturais especificas de combate a fome, do apoio a projetos com escolas e instituições públicas bem como o incentivo a estratégias de inclusão social, devem constituir a pauta das políticas empresariais engajadas na preservação da natureza e na sua sustentabilidade.

Justificativa

Ao contrário do que pensava até muito recentemente a grande maioria dos empresários donos do poder, a adoção dessa nova política de privilegiar sistemas produtivos que diminuem impactos causados pelas atividades produtivas não é algo apenas social e ambientalmente responsável que gera mais gastos e empecilhos, e é sim uma inovadora forma de angariar ainda mais lucros, uma vez que, na medida em que a empresa consegue encontrar maneiras de controlar custos e ganhos financeiros aumenta sua competitividade e garante assim a capacidade de sobrevivência e sucesso econômico da companhia nos padrões atuais e futuros.

De forma ilustrativa, traz-se o exemplo apresentado pela Revista Exame em matéria sobre multinacional do ramo de bebidas que ao assumir práticas como a substituição do uso de combustíveis não-renováveis, do uso do óleo e de gás natural por biomassa e biogás, evitou a emissão de quase 100 mil toneladas de gás carbônico por ano, o que representou uma significativa economia de R$ 5,7 milhões para a mesma.

“Atitudes de medidas racionais para proteger e conservar o meio ambiente tornam-se rapidamente condições sine qua non para bons negócios e para a própria sobrevivência da empresa no mercado” (DONAIRE, 1999, p. 34).

3ª Evidência:

Com a redução do consumo de água, energia, geração de resíduos e práticas como o reaproveitamento destes, conseqüentemente, poderá crescer a produção destas empresas ecoeficientes, uma vez que, mesmo em longo prazo, elas têm com isso mais capital para ampliar suas bases de produção gerando novos empregos e reflexos sociais positivos. A redução de custos que antes parecia impraticável, hoje garante a liderança da empresa no mercado bem como sua perpetuação.

Justificativa

A partir do exposto, pode-se perceber que uma empresa ecoeficiente consegue gerar resultados quando garante a redução do impacto ambiental possível em todas as etapas de seu processo, interferindo cada vez menos na natureza e melhorando seu resultado.

A mesma multinacional do ramo de bebidas citada pela Revista Exame assumiu também práticas como o reaproveitamento de 96% dos resíduos sólidos provenientes do processo de produção o que fez a companhia obter uma receita de R$ 51 milhões com a venda de subprodutos a serem transformados em matéria-prima para outras indústrias, ao invés de serem encaminhados a aterros sanitários.

Evidencia-se assim que a otimização do uso dos recursos na produção é sem dúvida a melhor alternativa ambiental para a preservação da sustentabilidade da biodiversidade além de representar, financeiramente, ganhos econômicos significativos para as empresas preocupadas com o uso racional da água e energia e com as mudanças climáticas.

4ª Evidência:

Segundo a WBCSD - World Bussines Council for Sustainable Development (1996), a ecoeficiência é alcançada mediante o fornecimento de bens e serviços a preços competitivos que satisfaçam as necessidades humanas e que tragam qualidade de vida, ao mesmo tempo em que ocorre a busca da redução progressiva do impacto ambiental e do consumo de recursos ao longo do ciclo de vida até um nível, no mínimo, equivalente à capacidade de sustentação estimada da Terra.

Neste contexto, a WBCSD aponta como um dos fatores capazes de garantir o sucesso e permanência de empresas social e ambientalmente responsáveis, a ênfase dada pelas mesmas à qualidade de vida da humanidade, ou seja, acredita que o sucesso das companhias no futuro estará cada vez mais focado nos produtos e serviços que atendam a necessidades reais dos clientes-consumidores finais, e não àquelas criadas, onde aquisições são feitas para satisfazer meros caprichos frutos da política capitalista imperante no mundo atual alicerçada no consumo desenfreado e não sustentável.

Justificativa

A produção ecoeficiente é uma tendência de mercado arrojada e ambiciosa, é também uma fonte de inovação ambiental e uma significante ferramenta de competitividade devido à redução de custos, o crescimento dos lucros, maior produtividade e melhoria da qualidade da empresa.

Diz-se ainda que é essa percepção, quanto a ecoeficiência, que levou também a mudanças comportamentais da sociedade em busca de condições de vida mais saudáveis, principalmente no que tange a conservação do meio ambiente fazendo-os pensar então em consumir menos produtos dispensáveis, gerar menos lixo e consumir menos manufaturados a partir de fontes esgotáveis e ecologicamente incorretas.

Observa-se que práticas como a contratação de pessoas com necessidades especiais, colaboração a entidades sociais, atuação em projetos comunitários bem como promoção e estimulação de ações ambientais de conservação, reciclagem e descarte seguro são atitudes sócioambientalmente corretas que têm grande peso quando o cerne da questão é, justamente, qualidade de vida.

À luz do exposto, fica fácil vislumbrar que apenas empresas voltadas a políticas sócio-ambientais terão sua continuidade garantida.

5ª Evidência:

Com a adoção das referidas práticas sócio-ambientais é sabido que a organização pode alcançar vantagens competitivas matematicamente mensuráveis, como aumento de lucro, redução de custos, reutilização de insumos, aumento do número de clientes, economia de recursos, além de ser uma forma de inovar produtos, serviços e procedimentos da organização, evitando gastos desnecessários e melhorando progressivamente sua imagem aos olhos de toda a sociedade.

Em virtude do exercício destes inúmeros fatores positivos recém mencionados, entre outros, a empresa que os adota, ou seja, a chamada eco-capaz terá imensamente maiores possibilidades de realizar boas parcerias, fazer excelentes negócios com outras companhias também sócioambientalmente responsáveis ou ainda receberem novos capitais a partir de outros investidores, uma vez que, encontram respaldo em índices de sustentabilidade como por exemplo o Dow Jones Sustainability Index criado em 1999 exatamente para consagrar tais empresas e suas práticas sustentáveis em face ao mundo globalizado.

Justificativa

Assim, nessa perspectiva de competitividade empresarial e instabilidade econômica, “a gestão ambiental e a responsabilidade social, enfim, tornam-se importantes instrumentos gerenciais para capacitação e criação de condições de competitividade para as organizações, qualquer que seja seu segmento econômico.” (TACHIZAWA, 2002, p. 24) o que só faz aumentar suas chances de se manterem no mercado.





REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


ANDRADE, Rui Otávio Bernardes de, TAKESHY, Tachizawa, CARVALHO, Ana Barreiro de. Gestão Ambiental: Enfoque Estratégico Aplicado ao Desenvolvimento Econômico. 2. ed. São Paulo, Pearson Education do Brasil, 2002.

COSTA, Filipe. Responsabilidade Sócio-ambiental das Empresas. Instituto Jurídico de Inteligência e Sistemas – IJURIS/ECOTEC. Disponível em: http://www.i3g.org.br/nucleos/ecotec/apresentacoes/responsabilidade_socio_ambiental_das_empresas.pdf Acesso em: 10 de novembro de 2009.

DONAIRE, Denis. Gestão ambiental na empresa. 2. ed. São Paulo : Atlas, 1999.

TACHIZAWA, Takeshy. Gestão Ambiental e responsabilidade social corporativa: estratégias de negócios focadas na realidade brasileira. São Paulo, Atlas, 2002.

RUSSO, Michael V. & FOUTS, Paul A. A resource-based perspective on corporate environmental performance and profitability. Academy of Management Journal, v. 40, n. 3, p. 534-559, 1997.

WBCSD – World Bussines Council for Sustainable Development. Disponível em: <www.wbcsd.org>. Acesso em: 09 de novembro de 2009.

__________Dow Jones Sustainability Indexes. Disponível em: < http://www.sam-group.com/htmle/djsi/indexes.cfm > . Acesso em: 13 de novembro de 2009.
__________ ALVES,Jordania Louse Silva, LYRA, Ana Valéria ToscanoBarreto, SICSU, Abraham Benzaquen, MEDEIROS, Denise Dumke de Medeiros. A Viabilidade da Ecoeficiência Como Fonte de Inovação e Ganho Competitivo nas Micro e Pequenas Empresas. V Congresso Nacional de Excelência em Gestão. 07/ 2009. Disponível em: <http://www.vcneg.org/documentos/anais_cneg5/T8_0143_0641.pdf > Acesso em: 13 de novembro de 2009. indexes.com/07_htmle/reviews/review2009.html> Acesso em: 13 de novembro de 2009.

___________ Instituto Observatório Social. Disponível em: <http://www.observatoriosocial.org.br/portal/index.php?option=content&task=view&id=1439&Itemid=89>. Acesso em: 14 de novembro de 2009. (1)

__________ DJSI Review 2009 - Results. Disponível em: <http://www.sustainability-indexes.com/07_htmle/reviews/review2009.html> Acesso em: 13 de novembro de 2009.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

O Poder Público em seus deveres para com o Meio Ambiente na Constituição Federal de 1988

De forma clara e coerente, quer-se relacionar e discorrer sobre os deveres de proteção ambiental do Estado consignados em nível constitucional, utilizando para tanto, inclusive, diferentes fundamentações teóricas.

Neste sentido, de maneira a considerar como Estado o todo federativo e sem pormenorizar as funções de cada um de seus entes, desde já se faz necessário trazer à pauta o que reza o artigo 23, seus incisos e parágrafo único, da própria Constituição Federal da República Brasileira de 1988, que no tocante ao tema em questão assim o faz:

“Artigo 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

I – (...);

II – cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;

III – proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos;

IV – impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico ou cultural;

V - (...);

VI – proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas;

VII – preservar as florestas, a fauna e a flora;

VIII - (...);

IX – promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico;

X - (...);

XI – registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais em seus territórios.

XII – (...).

Parágrafo único: Leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional.”

Assim, de acordo com o conteúdo do artigo acima transcrito, entre a leitura de outros tantos da Constituição Federal , é possível observar a relação direta existente entre o social, matéria explicitamente auferida, à exemplo, nos incisos II e IX do mesmo, e o meio ambiente, de maneira a compreender mais de uma de suas formas segundo a classificação adotada pela doutrina majoritária contemporânea : meio ambiente artístico/cultual: incisos III e IV, e, meio ambiente natural e artificial: incisos VI, VII e XI.

Édis Miralé muito brilhantemente explica o porquê da relação existente referida no parágrafo anterior do presente estudo, ao ensinar que “De fato, o capítulo do Meio Ambiente está inserido na Ordem Social. Ora, o social constitui a grande meta de toda ação do Poder Público e da sociedade. A Ordem Econômica, que tem suas características e valores específicos, subordina-se à ordem social. Com efeito, o crescimento ou desenvolvimento socioeconômico deve portar-se como um instrumento, um meio eficaz para subsidiar o objetivo social maior. Neste caso, as atividades econômicas não poderão, de forma alguma, gerar problemas que afetem a qualidade ambiental e impeçam o pleno atingimento dos escopos sociais.“. ou seja, o caráter multidisciplinar da questão ambiental é intrínseco a si e sua tamanha importância é tanta que a Assembléia Constituinte brasileira, já em 1988, atribuía competência comum a todos os entes federados quando em se tratando de fazer por estes, tocando inclusive à sociedade, comunidade , sua responsabilidade em colaborar no mesmo sentido.

No entanto, é com mais especialidade que a Seção III, Do Desporto, Capitulo VI, Do Meio Ambiente, artigo 225 da própria Constituição da República vigente trata do tema ora sob discussão quando garante que:

“Artigo 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

I – preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;

II – preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;

III – definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através da lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;

IV – exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;

V – controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;

VI – promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;

VII – proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as praticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.

§ 2º Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.

§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.”

Em outras palavras, é correto afirmar que o Poder Público, no tocante ao seu dever de tutelar o meio-ambiente preservando-o e defendendo-o, o faz de forma sistematizada, fragmentada e especificamente, em suma e de acordo com os ensinamentos do Ilustre Édis Milaré, da seguinte maneira: Através da:

a) Preservação e restauração dos processos ecológicos essenciais, que consiste em garantir, por intermédio de atividades conjugadas de todas as modalidades e esferas do Poder Público, o que está em bom estado original e de recuperar o que foi degradado. Entende-se por processos ecológicos essenciais aqueles que garantem o funcionamento dos ecossistemas e contribuem para a salubridade e higidez do meio ambiente, em termos práticos traduzem-se, por exemplo, na fixação, transformação, transporte e utilização de energia e na biodegradação de rejeitos;

b) Promoção do manejo ecológico das espécies e ecossistemas, que nada mais é do que “cuidar do equilíbrio das relações entre a comunidade biótica e o seu hábitat” ;

c) Preservação da biodiversidade e controle das entidades de pesquisa e manipulação de material genético, isto é, partindo-se do conceito de que biodiversidade é a variedade de seres que compõem a vida na Terra compreendendo a grande variabilidade de organismos existentes, objetiva-se reconhecer, inventariar e manter o leque dessas diferenças de organismos vivos;

d) Definição de espaços territoriais especialmente protegidos, que quando consideradas no sentido lato da expressão, envolvem as Áreas de Preservação Permanente e as Reservas Florestais Legais, as Áreas de Proteção Especial que tenham fundamentos e finalidades distintas das Unidades de Conservação, e as próprias Unidades de Conservação, sejam típicas ou atípicas, fazendo-o também através de normatizações específicas;

e) Realização de Estudo Prévio de Impacto Ambiental: estudo este que é tido como parte integrante do AIA (Avaliação de Impacto Ambiental) e portanto considerado instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente que, através da Resolução CONAMA 001/86, tem estabelecida suas definições, responsabilidades e diretrizes gerais para seu uso e implementação;

f) Controle da produção, comercialização e utilização de técnicas, métodos e substâncias nocivas à vida, à qualidade de vida e ao meio ambiente afim de que se impeçam ações prejudiciais aos mesmos, fazendo-o através de interferências do Poder Público nas atividades econômicas de domínio privado;

g) Educação ambiental, consagrada pelo advento, ainda que um pouco tardio, da Política Nacional de Educação Ambiental, definida na Lei 9.795, de 27.04.1999, e regulamentada pelo Dec. 4.281, de 25.06.2002, dando sequência e eficácia aos arts. 205 e 225, § 1°, VI, da nossa Carta Magna, a educação ambiental propriamente dita está comprometida com possibilidade de salvar o planeta que só existe quando considerada individualmente, em cada cidadão, investido da vontade de reverter o processo de gradual e reiterada destruição da Terra; e,

h) Proteção à fauna e à flora.

À luz de todo o exposto, permite-se concluir que o pseudônimo auferido a Carta Magna vigente, qual seja, “verde”, é digno de respeito e considerações uma vez que toca, inova, amplifica e tutela particularmente cada instituto natural de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações, ou seja, a Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988 torna o meio ambiente ecologicamente equilibrado direito difuso, coletivo, indisponível e de competência comum dos Estados, Municípios, Distrito Federal e União positivando assim, possivelmente, a única possibilidade de conservar a vida na Terra.




REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.Org. Cláudio Brandão de Oliveira. 5 ed. Rio de Janeiro: Roma Victor, 2005.
José Afonso da Silva. Direito ambiental constitucional, cit., p. 53

MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. A gestão Ambiental em foco. Doutrina.Jurisprudência. Glossário. 5. ed. ref, atual. E ampl., São Paulo: Editora RT, 2007, Título II – A base constitucional da Proteção do Ambiente; item 4. A Constituição de 1988, pág 147 a 177. Material da 1ª aula da Disciplina Direito Ambiental Constitucional, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu TeleVirtual em Direito Ambiental e Urbanistico – Anhanguera-UNIDERP REDE LFG.

TENÓRIO, Dóris. Classificação do Meio Ambiente – Gestão Ambiental (Justiça Federal em Santa Catarina). Em 09 de dezembro de 2008.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

A Ação Popular na Proteção ao Meio Ambiente: Uma Feliz Faculdade Jurídica

O presente estudo tem por objetivo analisar, frente a conjuntura protetiva do meio ambiente, a espécie de ação coletiva que se vale da legitimidade ativa de qualquer cidadão para ser proposta, qual seja, a ação popular, uma vez que esta, “ vise anular o ato lesivo ao patrimônio público ou entidade que o Estado participe, a moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico cultural, ficando o autor, salvo comprovada má fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência” conforme o que preceitua nossa Constituição Federal em seu artigo 5°, inciso LXXIII.

Assim, é importante desde a priori registrar que foi em 1965, com o advento da Lei número 4.717, que surgiu no ordenamento jurídico brasileiro a possibilidade da propositura da referida ação popular.

No entanto, o instituto ora sob analise, ganhou força e amplitude quando em 1977 a Lei 6.513 veio a acrescentar o parágrafo 1° ao artigo 1° da Lei de Ação Popular o conceito de patrimônio público permitindo então a este cidadão o controle de questões não só pecuniárias mas também estéticas, ambientais...

Já em 1988, ao preceituar a atuação paralela entre o Poder Público e o povo nos moldes ditados acima, vem a Constituinte in verbis positivar a proteção ambiental:

Art. 225 Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defende-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Desta forma, com a consolidação no direito brasileiro deste verdadeiro instrumento de defesa de direito coletivo difuso cabe anotar que segundo definição dada pelo artigo 3°, inciso I da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, número 6.938 de 31 de agosto de 1981, o meio ambiente é o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas, ou seja, o caráter multidisciplinar empregado ao conceito de meio ambiente bem como a ampla extensão do objeto jurídico tutelado não resta dúvida que é imprescindível que sua compreensão seja realizada no contexto ambiental concernente ao complexo estudo da biodiversidade ecológica existente em todo o ecossistema e da integração do homem com o meio em que faz parte.

Indo um pouco além, traz-se reiterada classificação doutrinária que reafirma o texto constitucional supra transcrito além da idéia ultima exposta quando mencionam o gênero meio ambiente, diz ela, entende-se por meio ambiente o meio ambiente natural, o meio ambiente cultural, o meio ambiente artificial e o do trabalho.

Assim, frente às pontuações aludidas fica claro que com a evolução do novo Estado Democrático de Direito, desenvolveu-se todo o Poder Judiciário fundado essencialmente na idéia de participação popular, inclusive de forma individual, bem como na busca em aliar a idéia de direito à idéia de justiça não formal, mas material, ensina tão brilhantemente Susana Henriques da Costa.

Pertinente é observar os ditames registrados por José Afonso da Silva ao auferir que a ação popular é “um remédio constitucional pelo qual qualquer cidadão fica investido de legitimidade para o exercício de um poder de natureza essencialmente política, e constitui manifestação direta da soberania popular consubstanciada no art. 1º, parágrafo único, da Constituição: todo poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente. Sob esse aspecto é uma garantia constitucional política. Revela-se como uma forma de participação do cidadão na vida pública, no exercício de uma função que lhe pertence primariamente”.

Porém, é indispensável ressalvar que de mãos dadas ao cidadão que caminha no sentido da proteção ativa do meio ambiente, está a legitimidade e atuação do Ministério Público que age como fiscal da Lei, produz e impulsiona a produção de provas podendo inclusive vir a assumir a condição de titular da ação em casos definidos em normas legais.

Além disso, o estimulo dado ao cidadão por parte do Estado quando concede ao autor da ação popular, salvo comprovada má-fé, a isenção das custas judiciais resultantes do processo como também do ônus de possível sucumbência, são ótimos exemplos de atividades jurídicas que ao permitirem e incentivarem a participação popular, alimentam forma bastante saudável e avante de proteção a direito subjetivo público no interesse da coletividade.

Diante de todo o exposto, permite-se concluir que como entes formadores da sociedade, os cidadãos são por excelência os guardiões e defensores do Estado Democrático de Direito e por sua vez, de um meio ambiente sadio e equilibrado para as presentes e futuras gerações, fazendo-se cumprir desta forma preceito básico da Carta Magna que tem papel fundamental neste sentido.





REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


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segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Da Responsabilidade Penal de Pessoa Jurídica no Direito Brasileiro e Ambiental

A análise do instituto da responsabilidade penal de pessoa jurídica no Direito brasileiro e ambiental é tema atual, foco de bastantes controvérsias, e também a finalidade da atual pesquisa.

Correntes de pensamento antagônicas existem, inclusive desde a esfera internacional, a respeito da existência ou não do referido desígneo. Países como Inglaterra, Estados Unidos, mesmo que sem a totalidade de seus Estados, e França consideram a possibilidade de poder haver responsabilização criminal de pessoa jurídica. Já, países da Europa Continental e América Latina restringem a aplicação de penas a empresas .

No Brasil, não haveria de ser diferente: também existem linhas de pensamento divergentes em se tratando do tema ora em pauta. Foi com o advento da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, todavia, precisamente por seus artigos 173, § 5º e 225, § 3º, que ao tratar de crimes econômicos e ambientais, concretizou-se esta falta de unanimidade .

Controvérsias à parte, acreditam alguns que com a promulgação da Lei da Natureza número 9.605, em 1998, o Brasil reconheceu, na seara ambiental, a existência da possibilidade de responsabilizar pessoa jurídica ao declinar, in verbis, que: “Art. 3º. As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício de sua entidade.” Todavia, esta matéria ainda intriga a doutrina que trava empasses acerca do saber se esta responsabilidade de pessoa jurídica tem, sim ou não, realmente caráter “penal”.

Luis Flavio Gomes , muito precisamente, compila: “Na origem da questão temos duas teorias: (a) da ficção jurídica e (b) da realidade ou da personalidade real. A primeira foi sustentada por Savigny, que afirmava que a pessoa jurídica tem existência fictícia e, portanto, não pode delinqüir (societas delinquere non potest). Essa é, aliás, a tradição do Direito romano, que foi seguida nesse ponto pelo Iluminismo bem como pela Escola clássica (Feuerbach, Carrara etc.). Todos negavam a possibilidade de se processar criminalmente a pessoa jurídica, mesmo porque, se a pena tem efeito preventivo, aquela não é dotada de capacidade para entender a mensagem da norma. No Brasil pensam dessa forma: Pierangelli, René Dotti, Régis Prado, Silva Franco, Tourinho Filho, R. Delmanto, Mestieri, Toledo etc.”

Além do motivo trazido pela nota acima transcrita, qual seja, a (a) lesão ao Princípio da punibilidade, que perde de imputar com a pena uma de suas principais finalidades: seu caráter preventivo por não haver qualquer sentimento de arrependimento, aqueles que não admitem sua relação, o fazem ainda, sob outros diferentes argumentos ; b) Lesão ao Princípio da legalidade (nullum crimen, nulla poena sine lege): tendo em vista que os elementos do crime: tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade, são fenômenos exclusivamente humanos, seja segundo a teoria do modelo causal onde o comportamento humano deve ser voluntário; a do modelo final para o qual o acontecimento é dirigido pela vontade consciente do fim; ou para qualquer outro modelo (social= de relevância social; pessoal=manifestação da personalidade, etc.), então a pessoa jurídica é incapaz de ação, de dolo, de imprudência ou de omissão, e, por esses motivos, seus atos são tidos como situações de ausência de ação; c) Lesão ao Princípio da culpabilidade (nullum crimen sine culpa): ao saber que os requisitos de maioridade e de sanidade mental não se aplicam à vontade pragmática dessas pessoas jurídicas, e que a consciência do injusto só pode habitar o aparelho psíquico de pessoas físicas individualmente eis que a psique coletiva da vontade pragmática das reuniões, deliberações e votos é uma ficção incorpórea, configura-se a impossibilidade de atribuir culpa a entes jurídicos; e, d) Lesão ao Princípio da personalidade da pena: o artigo 5º, XLV, da Constituição Federal brasileira define que a pena não pode ultrapassar a pessoa do condenado. Assim, se sócios que não participaram da decisão, ou acionistas minoritários vencidos em assembléias gerais, forem igualmente atingidos pela pena aplicada à pessoa jurídica, estará havendo, para estes, inconstitucionalidade direta.

Para integralizar este reciocínio, Cezar Roberto Bittencourt discorre: "Os autores, dentre os quais destaca-se Malblanc, passaram a sustentar a impossibilidade de manter-se a teoria da responsabilidade penal da pessoa jurídica. Malblanc negava tanto a capacidade delitiva da pessoa jurídica como sua capacidade de entender a aplicação da pena."

No entanto, aqueles que seguem a tendência jurídica mundial moderna e crêem na possibilidade de imposição de penas aos entes coletivos, assim como Paulo Afonso Leme Machado , o fazem também sob a afirmação de que não se pode suprimir palavras de textos legais, uma vez que, se foram ali dispostas, trazem em si significado próprio e indispensável a boa aplicação da justiça, configurando a cima de tudo, grande evolução por superar o caráter pessoal da responsabilidade penal, de forma a alcançar também a pessoa jurídica como sujeito ativo do crime ecológico.

Walter Claudius Rothenburg afirma que as disposições constitucionais contidas nos arts. 173, § 5.º, e 225, § 3.º, e a edição da Lei 9.605/98, "dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente", e consagrou a sujeição criminal ativa das pessoas jurídicas em nível legislativo concluindo que é chegado o momento de se verificar a responsabilização penal dos entes coletivos na prática.

José Marcello de Araujo Junior leciona neste mesmo sentido acerca da capacidade de culpa da pessoa jurídica: "No agir de uma empresa que polui um rio ou obtém, ilicitamente, uma subvenção, reconhece-se, sem qualquer dificuldade, a existência de uma conduta que não está privada de um caráter ético ou moral. Desse atuar resulta uma responsabilidade que não é igual à chamada responsabilidade cumulativa, que nasce da soma das responsabilidades individuais, nem está fundada numa responsabilidade por fato de outrem. Trata-se de uma responsabilidade originária da empresa, de fundamento social, pois a empresa, do pondo de vista ético ou moral, possui uma responsabilidade por autuar dentro da sociedade da qual extrai o seu ganho e a sua existência."

Em outras palavras e neste contexto argumentativo, estes últimos acreditam que a justificativa de que a pessoa jurídica não pode agir, usada pela corrente de pensadores contrária a sua, é espancada pelo fato de que o ordenamento penal brasileiro prevê o concurso de agentes que é regido pelo princípio da comunicabilidade das circunstâncias, em que é estabelecida a solidariedade penal entre o agente pessoa física e a empresa em proveito da qual o crime foi praticado.

Ainda, é importante mencionar então a Teoria da dupla imputação, eis que, reza: “independentemente de ser ou não "penal" a natureza específica da responsabilidade da pessoa jurídica prevista na lei ambiental,(...), jamais pode a pessoa jurídica isoladamente aparecer no pólo passivo da ação penal (sempre será necessário descobrir quem dentro da empresa praticou o ato criminoso em seu nome e em seu benefício). Desse modo, devem ser processadas (obrigatoriamente) a pessoa que praticou o crime e a pessoa jurídica (quando esta tenha sido beneficiado com o ato).”

Vale anotar que o Supremo Tribunal Federa ainda não está unânime quanto a questão ora pautada, por vezes fez julgados reconhecendo e por outras não, à responsabilidade penal de pessoa jurídica em crimes ambientais.

À luz de todo o exposto, permite-se concluir que ainda que as intenções de combater crimes ambientais tenham sido, se é que o foram, as que motivaram o legislador a adotar o modelo francês às normas dos artigos 173, §5o e 225, §3o, da Constituição, não instituem, nem autorizam o legislador ordinário a instituir, a responsabilidade penal da pessoa jurídica em matéria ambiental, por tanto não se comunga da atual tendência brasileira e mundial, e, entende-se que a melhor interpretação possível do artigo 3º da Lei 9.605/1998 consiste em admitir que a responsabilidade da pessoa jurídica não é propriamente "penal", no sentido especifico da palavra inclusive porque não existe sequer a possibilidade de privação de liberdade em se tratando de empresa, ou seja, prevalece ainda a teoria da ficção jurídica.

A responsabilidade penal impessoal da pessoa jurídica infringe, portanto, os princípios constitucionais da legalidade e da culpabilidade, ao definirem o conceito de crime, bem como os da punibilidade e da personalidade da pena, que conceitualizam o instituto das penas, sem realmente auxiliar no combate a transgressões ambientais.




REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

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GOMES, Luiz Flávio. Responsabilidade "penal" da pessoa jurídica. Disponível em: http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20070924110620139> Acesso em: 13 dez. 2009.

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MILARÉ, Edis. Processo Coletivo ambiental. In: Dano ambiental: Prevenção, Reparação e repressão. Coord. Antônio Herman V. Benjamin. São Paulo: Ed. RT, 1993.
 
SANTOS, Juarez Cirino dos. A responsabilidade penal da pessoa jurídica. A responsabilidade penal da pessoa jurídica é, talvez, o tema de política criminal e de direito penal mais controvertido da atualidade. Disponível em: <http://www.tj.ro.gov.br/emeron/sapem/2001/junho/0806/ARTIGOS/A08.htm.> Material da 2ª aula da disciplina Direito Ambiental e Urbanístico Penal, ministrada no Curso de Pós-graduação lato sensu televirtual em Direito Ambiental e Urbanístico – Anhanguera-UNIDERP
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SOUZA, Elaine Castelo Branco. Responsabilidade Criminal da Pessoa Jurídica por ato lesivo ao meio ambiente. Disponível em: http://www.direitonet.com.br/textos/x/15/22/152/DN_Responsabilidade_criminal_da_pessoa_juridica_por_ato_lesivo_ao_meio_ambiente.doc.. Material da 2ª aula da disciplina Direito Ambiental e Urbanístico Penal, ministrada no Curso de Pós-graduação lato sensu televirtual em Direito Ambiental e Urbanístico – Anhanguera-UNIDERP REDE LFG.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Comércio Internacional e Meio Ambiente: seriam vetores opostos?

O atual modelo econômico capitalista, adotado mundialmente desde o tempo da burguesia na passagem da Idade Média para a Idade Moderna está, indiscutivelmente, baseado em inovações tecnológicas, na busca incessante pelo lucro e no aumento continuo dos níveis de consumo.

À suas ordens, além de uma poderosa vinculadora mídia capaz de desequilibrar as verdadeiras noções de necessidade e desejo, está o desenfreado crescimento populacional bem como ainda outro significativo instrumento, qual seja, o comércio exterior, praticado desde a era das grandes navegações.

No entanto, para que se supra esta tão presente relação entre consumo e satisfação, seja ela falsa ou não, parte-se, necessariamente de uma profunda interferência humana no meio ambiente, uma vez que, é ele que prove todas as matérias-primas indispensáveis as indústrias em seus processos de manufatura, responsáveis pela produção dos produtos objeto de consumo e por conseguinte, do comércio.

Muito provavelmente, é por este motivo que o planeta já vem demonstrando sinais de esgotamento: a destruição da camada de ozônio, o aumento da temperatura da Terra (intensificação do efeito estufa), a perda da biodiversidade, a depredação indiscriminada das reservas florestais, a poluição de recursos hídricos, e inclusive a escassez do petróleo, recurso não renovável, utilizado como fonte energética de 40% do consumo internacional são eventos que comprovam a falta de consideração pelos limites na natureza suportáveis.

É importante lembrar que são diferentes os problemas ambientais dos países desenvolvidos e dos em desenvolvimento e, que o comércio exterior pode ser considerado a principal fonte de divisas entre estes blocos de países.

Esta afirmação somente é possível, exatamente porque existe uma disparidade gritante considerando os bens e tecnologias comercializados por uns e por outros. Enquanto os países desenvolvidos exportam bens e tecnologia de ponta, os países em desenvolvimento exportam os chamados produtos básicos (agricultura, pecuária, minério) que tem pouco valor agregado, o que sem dúvidas caracteriza o atuante “pseudo- livre comércio”.

Contento de poucos em face à desvantagem de muitos, esta ambígua relação assumiu grandes proporções a partir da consolidação da tão articulável expressão “livre comércio” com as primeiras normas do GATT, que consistem em regras básicas de políticas comerciais e princípios para o comércio de produtos, e é quadro central da Organização Mundial do Comércio. Instituição esta ultima criada após a II Guerra, devido ao grande aumento no comércio mundial, para coordenar as políticas comerciais internacionais e evitar assim, a falta de crescimento econômico e possíveis conflitos neste sentido.

Em contrario senso, ou não, porém em defesa do meio ambiente por visar o desenvolvimento sustentável, foi com a Rodada do Uruguai (1986 – 1993) que o EMIT Group, criado pelo GATT em 1948, transformou-se em CTE, Committee on Environment and Trade, o qual, objetivando compatibilizar a natureza aberta, equitativa e não- discriminatória com o comércio exterior, através da elaboração de recomendações sobre mudanças nas provisões e sistema multilateral de comercio, obteve maior êxito.

Considerado uma das três regras que controla todo o comércio exterior, o implacável sistema de livre comércio, estruturado conforme o demonstrado parágrafo a cima, principalmente na última década do século 20, pressupõe a supressão – ou no mínimo a redução - de barreiras tarifárias e não-tarifárias (técnicas, sanitárias e ambientais) ao livre fluxo do comércio internacional.

Assim, antes que se conclua precipitadamente, quanto a insustentabilidade deste binômio, (meio ambiente e comércio exterior), e para que melhor se possa demonstrar como agem estas chamadas barreiras tarifárias e não-tarifárias apresentar-se-ão os diferentes aspectos, negativos e positivos, desta intima relação da fonte natural com seu ícone mor de exploração extrativista.

São eles, os pontos positivos:

1) Troca de produtos e tecnologias

É por intermédio do comércio exterior que se torna possível o intercâmbio dos mais diferentes bens, serviços e até de novas tecnologias capazes de gerar menores índices de impactos ambientais. Assim, sob este aspecto, favorecesse o desenvolvimento sustentável dos países envolvidos, uma vez que, o capital que seria por eles aplicado como em descobertas tecnológicas pode ser investido em educação ambiental, saneamento básico, na renovação de equipamentos industriais defasados e inclusive no aumento da produção sem aumentar a área por eles desmatada.

2) Criação de Órgãos Internacionais

Foi após a II Guerra Mundial, em virtude da intensificação no comércio internacional, que surgiu a necessidade da criação de instituições como a OMC e seus comitês sobre Comércio e Meio Ambiente a fim de que coordenassem tais políticas comerciais corrigindo então as estratégias criadas por diversos países como as medidas protecionistas por estes indevidamente adotadas, o que acarreta, conseqüentemente, a adoção de políticas ambientais que restrinjam o comércio nada saudável do falso ecoprotecionismo, ou seja, de barreiras não-tarifárias.

3) Estabelecimento de selos e certificações verdes

A exemplo da adoção de instrumentos conhecidos mundialmente como “ecolabelling” pode-se citar a ISO. Indispensáveis a busca por um equilíbrio comercial entre os países desenvolvidos e os em desenvolvimento, em especial a ISO 14000, que trata de normas referentes à gestão ambiental em proporções internacionais, segue um rigoroso sistema que visa o desenvolvimento sustentável além do baixo impacto ambiental de suas atividades, o que além de contribuir para um meio ambiente mais seguro, agrega valor aos produtos permitindo que os países consumidores que tenham efetivas preocupações ambientais saibam limitar suas comercializações neste mesmo sentido, o de preservar o meio ambiente.

Em oposição, estão os pontos negativos:

O exaustivamente mencionado desequilíbrio comercial que impera entre países desenvolvidos e em desenvolvimento é, muito provavelmente, o principal aspecto negativo do comercio exterior em um contexto socioambiental, eis que, envolve desprezíveis fatores, tais como:

1) Subsídios e dumping

A política de subsídios que, resumidamente, consiste no patrocínio, repasse de numerosas verbas por parte dos governos dos países desenvolvidos a seus produtores rurais, faz com que os excedentes agrícolas, como por exemplo os da EU e dos EUA, sejam vendidos a um custo abaixo do indispensável à sua produção, o que além de configurar dumping, gera um prejuízo estimado em milhões de dólares aos países em desenvolvimento.

Frente a esta distorção financeira, em maus lençóis, os países do hemisfério sul tornam-se pouco competitivos, com preços inevitavelmente superiores aos subsidiados e então acabam por explorar áreas impróprias ao cultivo, com técnicas ultrapassadas e poluidoras causando prejuízos ao solo, florestas, rios e mananciais; pratica que afasta o almejado ideal de sustentabilidade em face a necessidade de intensificação da produção.

2) Dumping Social e Ambiental

Constantemente em busca de reduções de custos no processo de manufaturas, as indústrias transnacionais encontram nos países do hemisfério sul grandes oportunidades neste sentido. Menores custos com mão-de-obra e baixos investimentos pelo uso de recursos naturais, frutos de uma legislação ambiental muito permissiva, são atrativos que incentivam a migração de multinacionais a estes pólos desfavorecidos, o que, ainda que em longo prazo, resulta em um meio ambiente degradado, uma população explorada com baixos salários, uma indústria ainda mais rica e maiores distâncias a percorre até que se diminuam as diferenças econômicas, sociais e ambientais existentes.

3) Ecoprotecionismo

Entendido como um conjunto de critérios estabelecidos e exigidos pelos países importadores, em tese, com o objetivo de proteger o meio ambiente, mas que porém, pode mascarar verdadeiras intenções concorrendo em barreiras não-tarifárias empregadas para proteger o mercado interno da disputa por mercado com os produtos importados. Típico exemplo são as excessivas exigências da UE quanto à importação de carne bovina brasileira.

À luz de todo o ante exposto, permite-se concluir que assim como a maioria dos temas multidisciplinares abordados coerentemente, a questão em pauta, inclusive devido a tamanha proporção do tema abriga posicionamentos muito antagônicos.

No entanto, é possível ter-se certeza de um fato: a capacidade de vida saudável na Terra, com abundancia de recursos naturais em um meio ambiente equilibrado está, ficando cada vez mais comprometida; assim, é imprescindível que todo o setor produtivo capitalista chame para si a responsabilidade pelo desequilíbrio ambiental em que vive o mundo atualmente pois, por longos anos, viu a proteção ao meio ambiente como sinônimo de elevação dos custos de produção além de um freio ao crescimento econômico, fazendo a ele apenas extrair.

Dessa forma, se o sistema de comércio internacional não sofrer uma profunda mudança, os abismos econômicos, sociais e ambientais existentes entre os países desenvolvidos e os em desenvolvimento só tendem a aumentar acarretando assim a frustração do tão sonhado "desenvolvimento sustentável" que não passará de simples retórica.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
 
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terça-feira, 24 de agosto de 2010

Vantagens e desvantagens do Projeto de Transposição das Águas do rio São Francisco

Antes de iniciar a principal analise a que o presente estudo se propõe, qual seja, as vantagens e desvantagens econômicas, sociais e ambientais do projeto de transposição do rio São Francisco, fez-se necessário a exposição de alguns aspectos técnicos e naturais que motivariam, ou não, esta ampla, relevante e delicada mudança. A ssim, para que se comece a entender a dimensão deste tão temido desígnio de transposição, atualmente gerido através do Projeto de Integração do São Francisco, sob responsabilidade do Ministério da Integração Nacional, e que inclui o Programa de Revitalização Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (PRSF), coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente, parte-se então dos seguintes apontamentos:

1) O Nordeste brasileiro representa 18,7% do território nacional, região onde vivem 28% de toda a população do Brasil e para os quais há apenas 3% da disponibilidade de água do país.

2) 60% da região Nordeste estão em área vulnerável ao fenômeno natural da secas. O rio São Francisco representa 70% de toda a oferta regional de água.

3) A seca se concentra na área com parte de oito estados nordestinos (Alagoas, Bahia, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe). Suas principais causas são naturais, pois a área recebe pouca influência de massas de ar úmidas e frias vindas do sul, permanecendo durante muito tempo, no sertão nordestino uma massa de ar quente e seco, com escassa ocorrência de chuvas durante o ano.

4) Os quatro Estados, CE, RN, PB e PE dispõe de uma reserva permanente de água subterrânea de 1,18 trilhões de m³ sendo uma parcela de 7,08 bilhões de m³/ano passível de explotação.

5) As recargas anuais dos aqüíferos (reservas renováveis) somam 4,736 bilhões de m³ (aqüíferos sedimentares mais cristalinos).

6) O nordeste tem uma diversidade climática causal de três tipos de zonas agrícolas: a zona da Mata (com clima quente e úmido, estações bem definidas - uma chuvosa e a outra seca), a do Sertão (também quente, mas, seca e vulnerável a esse fenômeno natural) e a do Agreste (intermediária, com trechos quase tão úmidos como da Mata e outros tão secos como a do Sertão), ou seja, possui assim áreas úmidas e chuvosas.

7) O rio São Francisco nasce na região Sudeste, atravessa a Centro-Oeste, chegando até a Nordeste e, na divisa entre Sergipe e Alagoas, após cruzar três Estados, desemboca no mar. É um dos maiores e mais importantes rios do mundo pois estende-se por 2.700 quilômetros.

8) Apenas 5% das águas do São Francisco são aproveitadas pela população, os outros 95% desembocam no mar.

9) Conhecido como Velho Chico, o rio que ao longo de sua extensão recebe águas de 168 rios afluentes é considerado símbolo da integração nacional. 90 destes rios são perenes e os outros 78 temporários, isto é, podem secar em períodos de seca. Seu fluxo é interrompido por duas barragens para geração de eletricidade, Sobradinho (que garante a fluência do rio mesmo no período da seca) e Itaparica, ambas na divisa entre Bahia e Pernambuco.

10) O usuário que mais demanda água, não só no rio São Francisco, mas no mundo, é a agricultura irrigada. A água que atende os usos agrícolas de irrigação varia de 60% a 70%. Qual o foco central deste projeto que envolve tantas questões multidisciplinares?

O Projeto de Integração do rio São Francisco objetiva assegurar, em 2025, a oferta de água para consumo das populações urbanas de pequenas, médias e grandes cidades da região Semi Árida do Brasil. Em Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte aproximadamente 12 milhões de pessoas em 390 municípios do Agreste e do Sertão destes Estados seriam beneficiadas com este abastecimento.

Em termos práticos, no que consiste a transposição das águas do São Francisco?

A integração do rio São Francisco às bacias dos rios temporários do Semi-árido será possível com a retirada contínua de 26,4 m³/s de água, o equivalente a 1,4% da vazão garantida pela barragem de Sobradinho (1850 m³/s) no trecho do rio onde se dará a captação. Este montante hídrico será destinado ao consumo da população urbana de 390 municípios do Agreste e do Sertão dos quatro Estados do Nordeste Setentrional. Nos anos em que o reservatório de Sobradinho estiver vertendo, o volume captado poderá ser ampliado para até 127 m³/s, contribuindo para o aumento da garantia da oferta de água para múltiplos usos.

Tem-se abaixo uma foto do projeto que possibilita visualiza-lo, ainda que de forma teórica, facilitando seu entendimento físico-geográfico:

Mapa disponível no endereço eletrônico do Ministério da Integração Nacional em: <http://www.integracao.gov.br/saofrancisco/integracao/infografico.asp>.

Apresenta-se neste momento, algumas vantagens do Projeto de Integração do Velho Chico à população envolvida, à economia local e nacional e, ao meio ambiente em seus aspectos atingidos:

É necessário conceitualizar, antes de qualquer coisa, que são basicamente quatro os grupos de pessoas envolvidas no desígneo: dois deles são compostos pela população local vulnerável à seca, no entanto um é formado pelas famílias de pequenos produtores que lutam pela sobrevivência através da agricultura e já o outro, ao contrário destes, consiste em grandes latifundiários, empresários consolidados donos das grandes áreas de terras e na maioria deles também políticos influentes. Existe ainda o grupo dos operários, trabalhadores de outros Estados que estariam envolvidos com a implementação propriamente dita do projeto, sendo contratados para tanto e finalmente o dos políticos responsáveis pela execução do mesmo, seja em ceara municipal, estadual ou federal, dos poderes legislativo e executivo.

a) No contexto exposto acima, acredita-se que toda a população referida será beneficiada, uma vez que segundo o projeto, a transposição abasteceria 12 milhões de habitantes; observa-se, no entanto, que os políticos mencionados seriam beneficiados não com o acesso à água, mas com o status da participação neste projeto tão importante aos olhos de todos;

b) inserção de 24.400 hectares ao longo dos canais no processo produtivo (por meio da irrigação);

c) disponibilização de água para rebanhos;

d) geração de novas possibilidades de renda;

e) aumento do número de famílias fixadas no campo;

f) garantia de abastecimento das comunidades ao longo dos canais com água de boa qualidade, através dos chafarizes;

g) diminuição da migração e, portanto, retenção de um importante contingente humano na região beneficiada;

h) dinamização das atividades produtivas, gerando mais negócios, empregos e renda;

i) redução da pressão migratória sobre as pequenas e médias cidades e metrópoles da região, reduzindo seus problemas sociais e ambientais.



Em contrário senso, destacam-se a seguir os principais Impactos Ambientais ocasionados pela transposição das águas do Rio São Francisco de acordo com as proposições do RIMA (Relatório de Impacto Ambiental), solicitado pelo Ministério de Integração Nacional entre tantos outros.

Este estudo de impacto ambiental se refere somente aos eixos a serem implantados e são estes alguns dos impactos relevantes:

● Início ou aceleração dos processos de desertificação durante a operação do sistema;

● Perda de terras potencialmente agricultáveis;

● Interferência e conflitos nas áreas de mineração já com concessão de outorga pelas quais passarão as águas;

● Perda e fragmentação de cerca de 430 hectares de áreas com vegetação nativa e de hábitats de fauna terrestre;

● Diminuição da diversidade de fauna terrestre;

● Aumento da exposição dos animais a caça animais vulneráveis ou ameaçados de extinção regional, como o tatu-bola, a onça-pintada, o macaco-prego, tatuí, porco-do-mato e o tatu-de-rabo-mole.;

● Modificação da composição das comunidades biológicas aquáticas nativas das bacias receptoras;

● Comprometimento do conhecimento da história biogeográfica dos grupos biológicos aquáticos nativos;

● Risco de redução da biodiversidade das comunidades biológicas aquáticas nativas nas bacias receptoras;

● Risco de introdução de espécies de peixes potencialmente daninhas ao homem nas bacias receptoras. Há espécies no Rio São Francisco consideradas nocivas, como as piranhas e pirambebas, que se alimentam de outros peixes e que se reproduzem com facilidade em ambientes de água parada;

● Interferência sobre a pesca nos açudes receptores;

● Risco de proliferação de vetores da malária, filariose, febre amarela, e da esquistossomose principalmente ao longo dos canais;

● Ocorrência de acidentes com animais peçonhentos sobretudo cobras;

● Instabilização de encostas marginais dos corpos d’água;

● Início ou aceleração de processos erosivos e carreamento de sedimentos;

● Modificação do regime fluvial das drenagens receptoras;

● Alteração do comportamento hidrossedimentológico dos corpos d’água;

● Risco de eutrofização dos novos reservatórios;

● Modificação no regime fluvial do rio São Francisco;

●Desestabilização do leito e das margens do rio, com erosão, voçoroca e assoreamento;

● Sanilização das águas com introdução de cunha salina na foz do rio São Francisco;

● Salinização de solos principalmente no vale do Baixo e Submédio Rio São Francisco;

● Leito do rio seco ou com escassez de água entre a foz e a Hidrelétrica de Xingó com extinção de espécies de peixes e da navegação no Baixo e Submédio rio São Francisco já bastante afetada pelo assoreamento;

Algumas outras desvantagens apontadas por especialistas em estudos sobre o projeto em questão:

Conforme monitoramento das Secretarias Estaduais de Recursos Hídricos os quatro Estados contemplados para receber as águas da transposição do rio São Francisco, CE, RN, PB e PE não sofrem com a falta de água, sim, têm sim um excedente hídrico porém “com uma má distribuição espacial faltando vontade política para encher o Nordeste de adutoras e canais partindo dos Açudes plurianuais Castanhão (6,7 bilhões m³), Orós (2,1 bilhões m³), Açude Banabuiú ( 1,7 bilhões m³) Curema-Mãe D'Água (1,3 bilhões m³), Açu (2,4 bilhões m³), Engenheiro Ávidos (1,2 bilhões m³) etc. sem que seja necessário transpor uma só gota d´água do Velho Chico.” *

Aldo Rebouças a maior autoridade em hidrogeologia do Nordeste e um profundo conhecedor das águas subterrâneas em todo mundo reafirma a idéia exposta acima ao dizer que: “Há mais preconceito e desconhecimento das potencialidades hídricas subterrâneas no Nordeste do Brasil do que se imagina. A escassez da água está, na verdade, relacionada com a falta de políticas continuadas de captação e gestão de recursos hídricos subterrâneos".

Dentre os pessimistas quanto ao assunto transposição, alega-se também que o projeto erra ao entregar a água bruta ao longo de quatro eixos lineares (leitos dos rios, Jaguaribe, Piranhas – Açu, Apodi e Rio Paraíba) uma vez que os mesmos já estariam perenizados há mais de 25 anos. Deixando assim de contemplar as áreas de maior escassez hídrica como a Região do Seridó, não atendendo a população dispersa fora do eixo da transposição.

Dizem ainda que o projeto de transposição do rio não preenche preceitos básicos de economia dos recursos hídricos e exemplificam tal idéia ao apontar a comprovada escassez da Bacia receptora com sua falta de alternativas internas para abastecimento humano e dessedentação animal; e, que toda a vazão do rio São Francisco já está comprometida, 80% da vazão do rio já é utilizada com a geração de energia pela CHESF que investiu US$ 13 bilhões de dólares no parque energético e os 20% restante para usos múltiplos na irrigação consumo humano e animal.

Quanto ao custo - benefício das águas transpostas à irrigação de culturas, estimam eles que o m³ de água posto nos Estados receptores custará cerca de R$ 0,11 ( IEA-RIMA.), ou seja, valor proibitivo para uso no agro-negócio, principalmente em atividades irrigacionistas, se considerarmos o custo cobrado pela CODEVASF, aos seus colonos, de R$ 0,023 o m³ sem custos de bombeamento e distribuição. A população vai pagar mais caro pela água transposta havendo um subsidio cruzado de 4% na conta do consumidor.

Ainda no mesmo sentido, esclarecem que o potencial de áreas irrigáveis do São Francisco é de 3.000.000 ha e que considerando 0,5 litro/seg/ha como um número razoável para fins de cálculo da irrigação que é praticada atualmente no vale do São Francisco, seriam necessários 1.500 m³/seg para irrigar aquela área potencial. Ocorre, no entanto, que não há esse volume disponível no rio; tem-se apenas 360 m³/seg para outorga estipulado pelo Comitê da Bacia do Rio São Francisco, isto é, apesar de existir uma área potencialmente irrigável de 3.000.000 ha, só é possível irrigar, com o volume de água disponível no rio (360 m³/seg), cerca de 720.000 ha.

Finalmente, expressam profunda indignação ao afirmarem que o projeto de Transposição do rio São Francisco desconsiderou as experiências internacionais mal sucedidas sobre transferência de água entre bacias hidrográficas, e além disso, usa estas experiências como a dos rios Tejo-Segura na Espanha e do Rio Colorado nos estados Unidos como justificativas de sucesso para transposição do Rio São Francisco.

A transposição dos rios Tejo-Segura trouxe mais problemas do que soluções para o governo Espanhol, tanto assim, é que foi abortado o projeto de transposição do rio Ebro para as zonas costeiras do sul da Espanha baseado em relatórios do Centro de Recursos e Estudos Ambientais da Australian National University que apresentou, entre outras justificativas, para dar segurança na decisão do Governo Espanhol de fazer ou não a transposição do

Desenvolvimento

Qual o foco central deste projeto que envolve tantas questões multidisciplinares?

O Projeto de Integração do rio São Francisco objetiva assegurar, em 2025, a oferta de água para consumo das populações urbanas de pequenas, médias e grandes cidades da região Semi Árida do Brasil. Em Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte aproximadamente 12 milhões de pessoas em 390 municípios do Agreste e do Sertão destes Estados seriam beneficiadas com este abastecimento.

Em termos práticos, no que consiste a transposição das águas do São Francisco?

A integração do rio São Francisco às bacias dos rios temporários do Semi-árido será possível com a retirada contínua de 26,4 m³/s de água, o equivalente a 1,4% da vazão garantida pela barragem de Sobradinho (1850 m³/s) no trecho do rio onde se dará a captação. Este montante hídrico será destinado ao consumo da população urbana de 390 municípios do Agreste e do Sertão dos quatro Estados do Nordeste Setentrional. Nos anos em que o reservatório de Sobradinho estiver vertendo, o volume captado poderá ser ampliado para até 127 m³/s, contribuindo para o aumento da garantia da oferta de água para múltiplos usos.

Tem-se abaixo uma foto do projeto que possibilita visualiza-lo, ainda que de forma teórica, facilitando seu entendimento físico-geográfico:



Mapa disponível no endereço eletrônico do Ministério da Integração Nacional em: <http://www.integracao.gov.br/saofrancisco/integracao/infografico.asp>.

Apresenta-se neste momento, algumas vantagens do Projeto de Integração do Velho Chico à população envolvida, à economia local e nacional e, ao meio ambiente em seus aspectos atingidos:

É necessário conceitualizar, antes de qualquer coisa, que são basicamente quatro os grupos de pessoas envolvidas no desígneo: dois deles são compostos pela população local vulnerável à seca, no entanto um é formado pelas famílias de pequenos produtores que lutam pela sobrevivência através da agricultura e já o outro, ao contrário destes, consiste em grandes latifundiários, empresários consolidados donos das grandes áreas de terras e na maioria deles também políticos influentes. Existe ainda o grupo dos operários, trabalhadores de outros Estados que estariam envolvidos com a implementação propriamente dita do projeto, sendo contratados para tanto e finalmente o dos políticos responsáveis pela execução do mesmo, seja em ceara municipal, estadual ou federal, dos poderes legislativo e executivo.

a) No contexto exposto acima, acredita-se que toda a população referida será beneficiada, uma vez que segundo o projeto, a transposição abasteceria 12 milhões de habitantes; observa-se, no entanto, que os políticos mencionados seriam beneficiados não com o acesso à água, mas com o status da participação neste projeto tão importante aos olhos de todos;

b) inserção de 24.400 hectares ao longo dos canais no processo produtivo (por meio da irrigação);

c) disponibilização de água para rebanhos;

d) geração de novas possibilidades de renda;

e) aumento do número de famílias fixadas no campo;

f) garantia de abastecimento das comunidades ao longo dos canais com água de boa qualidade, através dos chafarizes;

g) diminuição da migração e, portanto, retenção de um importante contingente humano na região beneficiada;

h) dinamização das atividades produtivas, gerando mais negócios, empregos e renda;

i) redução da pressão migratória sobre as pequenas e médias cidades e metrópoles da região, reduzindo seus problemas sociais e ambientais.







Em contrário senso, destacam-se a seguir os principais Impactos Ambientais ocasionados pela transposição das águas do Rio São Francisco de acordo com as proposições do RIMA (Relatório de Impacto Ambiental), solicitado pelo Ministério de Integração Nacional entre tantos outros.

Este estudo de impacto ambiental se refere somente aos eixos a serem implantados e são estes alguns dos impactos relevantes:

● Início ou aceleração dos processos de desertificação durante a operação do sistema;

● Perda de terras potencialmente agricultáveis;

● Interferência e conflitos nas áreas de mineração já com concessão de outorga pelas quais passarão as águas;

● Perda e fragmentação de cerca de 430 hectares de áreas com vegetação nativa e de hábitats de fauna terrestre;

● Diminuição da diversidade de fauna terrestre;

● Aumento da exposição dos animais a caça animais vulneráveis ou ameaçados de extinção regional, como o tatu-bola, a onça-pintada, o macaco-prego, tatuí, porco-do-mato e o tatu-de-rabo-mole.;

● Modificação da composição das comunidades biológicas aquáticas nativas das bacias receptoras;

● Comprometimento do conhecimento da história biogeográfica dos grupos biológicos aquáticos nativos;

● Risco de redução da biodiversidade das comunidades biológicas aquáticas nativas nas bacias receptoras;

● Risco de introdução de espécies de peixes potencialmente daninhas ao homem nas bacias receptoras. Há espécies no Rio São Francisco consideradas nocivas, como as piranhas e pirambebas, que se alimentam de outros peixes e que se reproduzem com facilidade em ambientes de água parada;

● Interferência sobre a pesca nos açudes receptores;

● Risco de proliferação de vetores da malária, filariose, febre amarela, e da esquistossomose principalmente ao longo dos canais;

● Ocorrência de acidentes com animais peçonhentos sobretudo cobras;

● Instabilização de encostas marginais dos corpos d’água;

● Início ou aceleração de processos erosivos e carreamento de sedimentos;

● Modificação do regime fluvial das drenagens receptoras;

● Alteração do comportamento hidrossedimentológico dos corpos d’água;

● Risco de eutrofização dos novos reservatórios;

● Modificação no regime fluvial do rio São Francisco;

●Desestabilização do leito e das margens do rio, com erosão, voçoroca e assoreamento;

● Sanilização das águas com introdução de cunha salina na foz do rio São Francisco;

● Salinização de solos principalmente no vale do Baixo e Submédio Rio São Francisco;

● Leito do rio seco ou com escassez de água entre a foz e a Hidrelétrica de Xingó com extinção de espécies de peixes e da navegação no Baixo e Submédio rio São Francisco já bastante afetada pelo assoreamento;

Algumas outras desvantagens apontadas por especialistas em estudos sobre o projeto em questão:

Conforme monitoramento das Secretarias Estaduais de Recursos Hídricos os quatro Estados contemplados para receber as águas da transposição do rio São Francisco, CE, RN, PB e PE não sofrem com a falta de água, sim, têm sim um excedente hídrico porém “com uma má distribuição espacial faltando vontade política para encher o Nordeste de adutoras e canais partindo dos Açudes plurianuais Castanhão (6,7 bilhões m³), Orós (2,1 bilhões m³), Açude Banabuiú ( 1,7 bilhões m³) Curema-Mãe D'Água (1,3 bilhões m³), Açu (2,4 bilhões m³), Engenheiro Ávidos (1,2 bilhões m³) etc. sem que seja necessário transpor uma só gota d´água do Velho Chico.” *

Aldo Rebouças a maior autoridade em hidrogeologia do Nordeste e um profundo conhecedor das águas subterrâneas em todo mundo reafirma a idéia exposta acima ao dizer que: “Há mais preconceito e desconhecimento das potencialidades hídricas subterrâneas no Nordeste do Brasil do que se imagina. A escassez da água está, na verdade, relacionada com a falta de políticas continuadas de captação e gestão de recursos hídricos subterrâneos".

Dentre os pessimistas quanto ao assunto transposição, alega-se também que o projeto erra ao entregar a água bruta ao longo de quatro eixos lineares (leitos dos rios, Jaguaribe, Piranhas – Açu, Apodi e Rio Paraíba) uma vez que os mesmos já estariam perenizados há mais de 25 anos. Deixando assim de contemplar as áreas de maior escassez hídrica como a Região do Seridó, não atendendo a população dispersa fora do eixo da transposição.

Dizem ainda que o projeto de transposição do rio não preenche preceitos básicos de economia dos recursos hídricos e exemplificam tal idéia ao apontar a comprovada escassez da Bacia receptora com sua falta de alternativas internas para abastecimento humano e dessedentação animal; e, que toda a vazão do rio São Francisco já está comprometida, 80% da vazão do rio já é utilizada com a geração de energia pela CHESF que investiu US$ 13 bilhões de dólares no parque energético e os 20% restante para usos múltiplos na irrigação consumo humano e animal.

Quanto ao custo - benefício das águas transpostas à irrigação de culturas, estimam eles que o m³ de água posto nos Estados receptores custará cerca de R$ 0,11 ( IEA-RIMA.), ou seja, valor proibitivo para uso no agro-negócio, principalmente em atividades irrigacionistas, se considerarmos o custo cobrado pela CODEVASF, aos seus colonos, de R$ 0,023 o m³ sem custos de bombeamento e distribuição. A população vai pagar mais caro pela água transposta havendo um subsidio cruzado de 4% na conta do consumidor.

Ainda no mesmo sentido, esclarecem que o potencial de áreas irrigáveis do São Francisco é de 3.000.000 ha e que considerando 0,5 litro/seg/ha como um número razoável para fins de cálculo da irrigação que é praticada atualmente no vale do São Francisco, seriam necessários 1.500 m³/seg para irrigar aquela área potencial. Ocorre, no entanto, que não há esse volume disponível no rio; tem-se apenas 360 m³/seg para outorga estipulado pelo Comitê da Bacia do Rio São Francisco, isto é, apesar de existir uma área potencialmente irrigável de 3.000.000 ha, só é possível irrigar, com o volume de água disponível no rio (360 m³/seg), cerca de 720.000 ha.

Finalmente, expressam profunda indignação ao afirmarem que o projeto de Transposição do rio São Francisco desconsiderou as experiências internacionais mal sucedidas sobre transferência de água entre bacias hidrográficas, e além disso, usa estas experiências como a dos rios Tejo-Segura na Espanha e do Rio Colorado nos estados Unidos como justificativas de sucesso para transposição do Rio São Francisco.

A transposição dos rios Tejo-Segura trouxe mais problemas do que soluções para o governo Espanhol, tanto assim, é que foi abortado o projeto de transposição do rio Ebro para as zonas costeiras do sul da Espanha baseado em relatórios do Centro de Recursos e Estudos Ambientais da Australian National University que apresentou, entre outras justificativas, para dar segurança na decisão do Governo Espanhol de fazer ou não a transposição do Rio Ebro que “[...] o custo estimado de entregar oficialmente a água por metro cúbico do rio Ebro para as bacias receptoras é quase 50 por cento mais elevado do que o atual custo da dessalinização da água do mar".

Lembra-se que no caso do Rio Colorado há mais de 30 anos deixou de chegar a sua foz introduzindo graves problemas ambientais na Baixa Califórnia no México como a salinização dos solos a extinção do delta e dos pântanos dizimando o santuário ecológico de reprodução de milhares de espécies de aves, tudo por conta da superexploração das inúmeras aduções de água feita ao longo do rio Colorado para irrigar milhões de hectares de terras nos estados de Nevada, Arizona e Califórnia. Afirmam que o rio São Francisco trilha o mesmo caminho: “logo logo, se transformara na imagem refletida do Rio Colorado”.

A nível nacional deve-se lembrar que o desvio das águas do rio Paraíba do Sul para o rio Guandu, o qual abastece o Rio de Janeiro, aliada à grande degradação em grandes extensões das margens ao longo do curso do rio, provavelmente são as maiores causas da destruição da cidade de Atafona, na foz, que já teve grande parte de sua cidade engolida pelo mar.

















Conclusão

Frente a todo o exposto, pode-se concluir então, que a relevância, grandiosidade e complexidade deste agora melhor analisado projeto de transposição das Águas do rio São Francisco, em se tratando de questões nos mais diferentes aspectos, sejam ambientais, econômicos, sociais, exige ainda analises mais profundas, feitas de forma comparativa, inteligente e multidisciplinar. Devem ser estudadas possibilidades menos dispendiosas e realizados maiores levantamentos quanto a sua implementação. Estudos e levantamentos estes que, idealmente falando, deveriam estar livres de politicagens enrustidas, seja aquelas voltadas a preservar a chamada “industria da seca” ou ao superfaturamento e desvios das verbas destinadas as obras do projeto em tela.

Assim, entende-se que ninguém discorda da necessidade de o semi-árido nordestino ter um projeto de viabilização de águas de grande porte afim de atender a demanda de toda sua população local, tornar aquela região muito mais produtiva, combater a pobreza local e atingir objetivos do desenvolvimento sustentável. Contudo, falar em transposição sem incluir a revitalização intensa e permanente dos trechos já degradados e o levantamento de questões ainda duvidosas, inclusive frente aos exemplos citados, é bastante arriscado e pode ter conseqüências irreversíveis ao meio ambiente.















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