sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Comércio Internacional e Meio Ambiente: seriam vetores opostos?

O atual modelo econômico capitalista, adotado mundialmente desde o tempo da burguesia na passagem da Idade Média para a Idade Moderna está, indiscutivelmente, baseado em inovações tecnológicas, na busca incessante pelo lucro e no aumento continuo dos níveis de consumo.

À suas ordens, além de uma poderosa vinculadora mídia capaz de desequilibrar as verdadeiras noções de necessidade e desejo, está o desenfreado crescimento populacional bem como ainda outro significativo instrumento, qual seja, o comércio exterior, praticado desde a era das grandes navegações.

No entanto, para que se supra esta tão presente relação entre consumo e satisfação, seja ela falsa ou não, parte-se, necessariamente de uma profunda interferência humana no meio ambiente, uma vez que, é ele que prove todas as matérias-primas indispensáveis as indústrias em seus processos de manufatura, responsáveis pela produção dos produtos objeto de consumo e por conseguinte, do comércio.

Muito provavelmente, é por este motivo que o planeta já vem demonstrando sinais de esgotamento: a destruição da camada de ozônio, o aumento da temperatura da Terra (intensificação do efeito estufa), a perda da biodiversidade, a depredação indiscriminada das reservas florestais, a poluição de recursos hídricos, e inclusive a escassez do petróleo, recurso não renovável, utilizado como fonte energética de 40% do consumo internacional são eventos que comprovam a falta de consideração pelos limites na natureza suportáveis.

É importante lembrar que são diferentes os problemas ambientais dos países desenvolvidos e dos em desenvolvimento e, que o comércio exterior pode ser considerado a principal fonte de divisas entre estes blocos de países.

Esta afirmação somente é possível, exatamente porque existe uma disparidade gritante considerando os bens e tecnologias comercializados por uns e por outros. Enquanto os países desenvolvidos exportam bens e tecnologia de ponta, os países em desenvolvimento exportam os chamados produtos básicos (agricultura, pecuária, minério) que tem pouco valor agregado, o que sem dúvidas caracteriza o atuante “pseudo- livre comércio”.

Contento de poucos em face à desvantagem de muitos, esta ambígua relação assumiu grandes proporções a partir da consolidação da tão articulável expressão “livre comércio” com as primeiras normas do GATT, que consistem em regras básicas de políticas comerciais e princípios para o comércio de produtos, e é quadro central da Organização Mundial do Comércio. Instituição esta ultima criada após a II Guerra, devido ao grande aumento no comércio mundial, para coordenar as políticas comerciais internacionais e evitar assim, a falta de crescimento econômico e possíveis conflitos neste sentido.

Em contrario senso, ou não, porém em defesa do meio ambiente por visar o desenvolvimento sustentável, foi com a Rodada do Uruguai (1986 – 1993) que o EMIT Group, criado pelo GATT em 1948, transformou-se em CTE, Committee on Environment and Trade, o qual, objetivando compatibilizar a natureza aberta, equitativa e não- discriminatória com o comércio exterior, através da elaboração de recomendações sobre mudanças nas provisões e sistema multilateral de comercio, obteve maior êxito.

Considerado uma das três regras que controla todo o comércio exterior, o implacável sistema de livre comércio, estruturado conforme o demonstrado parágrafo a cima, principalmente na última década do século 20, pressupõe a supressão – ou no mínimo a redução - de barreiras tarifárias e não-tarifárias (técnicas, sanitárias e ambientais) ao livre fluxo do comércio internacional.

Assim, antes que se conclua precipitadamente, quanto a insustentabilidade deste binômio, (meio ambiente e comércio exterior), e para que melhor se possa demonstrar como agem estas chamadas barreiras tarifárias e não-tarifárias apresentar-se-ão os diferentes aspectos, negativos e positivos, desta intima relação da fonte natural com seu ícone mor de exploração extrativista.

São eles, os pontos positivos:

1) Troca de produtos e tecnologias

É por intermédio do comércio exterior que se torna possível o intercâmbio dos mais diferentes bens, serviços e até de novas tecnologias capazes de gerar menores índices de impactos ambientais. Assim, sob este aspecto, favorecesse o desenvolvimento sustentável dos países envolvidos, uma vez que, o capital que seria por eles aplicado como em descobertas tecnológicas pode ser investido em educação ambiental, saneamento básico, na renovação de equipamentos industriais defasados e inclusive no aumento da produção sem aumentar a área por eles desmatada.

2) Criação de Órgãos Internacionais

Foi após a II Guerra Mundial, em virtude da intensificação no comércio internacional, que surgiu a necessidade da criação de instituições como a OMC e seus comitês sobre Comércio e Meio Ambiente a fim de que coordenassem tais políticas comerciais corrigindo então as estratégias criadas por diversos países como as medidas protecionistas por estes indevidamente adotadas, o que acarreta, conseqüentemente, a adoção de políticas ambientais que restrinjam o comércio nada saudável do falso ecoprotecionismo, ou seja, de barreiras não-tarifárias.

3) Estabelecimento de selos e certificações verdes

A exemplo da adoção de instrumentos conhecidos mundialmente como “ecolabelling” pode-se citar a ISO. Indispensáveis a busca por um equilíbrio comercial entre os países desenvolvidos e os em desenvolvimento, em especial a ISO 14000, que trata de normas referentes à gestão ambiental em proporções internacionais, segue um rigoroso sistema que visa o desenvolvimento sustentável além do baixo impacto ambiental de suas atividades, o que além de contribuir para um meio ambiente mais seguro, agrega valor aos produtos permitindo que os países consumidores que tenham efetivas preocupações ambientais saibam limitar suas comercializações neste mesmo sentido, o de preservar o meio ambiente.

Em oposição, estão os pontos negativos:

O exaustivamente mencionado desequilíbrio comercial que impera entre países desenvolvidos e em desenvolvimento é, muito provavelmente, o principal aspecto negativo do comercio exterior em um contexto socioambiental, eis que, envolve desprezíveis fatores, tais como:

1) Subsídios e dumping

A política de subsídios que, resumidamente, consiste no patrocínio, repasse de numerosas verbas por parte dos governos dos países desenvolvidos a seus produtores rurais, faz com que os excedentes agrícolas, como por exemplo os da EU e dos EUA, sejam vendidos a um custo abaixo do indispensável à sua produção, o que além de configurar dumping, gera um prejuízo estimado em milhões de dólares aos países em desenvolvimento.

Frente a esta distorção financeira, em maus lençóis, os países do hemisfério sul tornam-se pouco competitivos, com preços inevitavelmente superiores aos subsidiados e então acabam por explorar áreas impróprias ao cultivo, com técnicas ultrapassadas e poluidoras causando prejuízos ao solo, florestas, rios e mananciais; pratica que afasta o almejado ideal de sustentabilidade em face a necessidade de intensificação da produção.

2) Dumping Social e Ambiental

Constantemente em busca de reduções de custos no processo de manufaturas, as indústrias transnacionais encontram nos países do hemisfério sul grandes oportunidades neste sentido. Menores custos com mão-de-obra e baixos investimentos pelo uso de recursos naturais, frutos de uma legislação ambiental muito permissiva, são atrativos que incentivam a migração de multinacionais a estes pólos desfavorecidos, o que, ainda que em longo prazo, resulta em um meio ambiente degradado, uma população explorada com baixos salários, uma indústria ainda mais rica e maiores distâncias a percorre até que se diminuam as diferenças econômicas, sociais e ambientais existentes.

3) Ecoprotecionismo

Entendido como um conjunto de critérios estabelecidos e exigidos pelos países importadores, em tese, com o objetivo de proteger o meio ambiente, mas que porém, pode mascarar verdadeiras intenções concorrendo em barreiras não-tarifárias empregadas para proteger o mercado interno da disputa por mercado com os produtos importados. Típico exemplo são as excessivas exigências da UE quanto à importação de carne bovina brasileira.

À luz de todo o ante exposto, permite-se concluir que assim como a maioria dos temas multidisciplinares abordados coerentemente, a questão em pauta, inclusive devido a tamanha proporção do tema abriga posicionamentos muito antagônicos.

No entanto, é possível ter-se certeza de um fato: a capacidade de vida saudável na Terra, com abundancia de recursos naturais em um meio ambiente equilibrado está, ficando cada vez mais comprometida; assim, é imprescindível que todo o setor produtivo capitalista chame para si a responsabilidade pelo desequilíbrio ambiental em que vive o mundo atualmente pois, por longos anos, viu a proteção ao meio ambiente como sinônimo de elevação dos custos de produção além de um freio ao crescimento econômico, fazendo a ele apenas extrair.

Dessa forma, se o sistema de comércio internacional não sofrer uma profunda mudança, os abismos econômicos, sociais e ambientais existentes entre os países desenvolvidos e os em desenvolvimento só tendem a aumentar acarretando assim a frustração do tão sonhado "desenvolvimento sustentável" que não passará de simples retórica.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
 
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